Audax ABC e os desafios de uma prova de longa distância
Tem provas que a cabeça empurra as pernas e outras que as pernas empurram a cabeça, quando deixei a estrada do vinho e parti para Sorocaba, fiquei sozinho.
O clube Audax ABC é o caçula paulista no ciclismo de longa distância e no estilo randonee, aquele mesmo que você tem que ser auto suficiente e respeitar o tempo nos postos de controle.
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Ricardo Gaspar
Essa é a terceira prova comandada pelo Roberto Avellar e sua equipe. As cidades de Paranapiacaba e Araçariguama já os receberam e dessa vez, no sábado 4 de junho, foi a vez de São Roque e suas inúmeras subidas. Do cardápio variado com Brevet 200km, desafios 65km ou 115km, escolhi a opção mais longa.
As provas longas tem a característica de alterar as variáveis físicas; como clima, estrada de rolagem e também as emocionais, de estar ótimo para péssimo em poucas pedaladas.
Amanheceu garoando e como sempre o astral dá aquela caída com as nuvens carregadas. Se imaginar tomando spray de água por pelo menos 10 horas, sensação de frio nas sapatilhas, o pneu fino no asfalto molhado, tudo desanima. Mas usando aquela muleta de convencimento; “vou até lá quem sabe melhora”, parti para o Km 48 da Castelo Branco.
O preparo para uma prova longa é quase como para uma viagem, ainda mais sabendo que qualquer coisa que acontecer você só terá Deus e o que levar nos bolsos. Ou seja; ferramentas, câmaras e muita comida e bebida são vitais.
Largada dada, partimos para o famoso caminho dos Romeiros e sua primeira subida, que faz todos perguntarem o por quê escolheram o ciclismo? Não podia ser com moto ou cavalos o esporte, quem sabe até dormir pela manhã?
Sentido Araçariguama, fomos para São Roque enfrentar o Morro do Saboo, por onde tem a estação de esqui artificial, a Mata da Camara, a Estrada do Vinho e a do Carmo; todas elas cercadas de um visual incrível, algumas mais fechadas outras abertas, mas todas, digo “todas”, com subidas intermináveis. Muitos precisaram descer para empurrar as bikes, levando em conta que a mistura de terreno escorregadio e subidas não são um par de boa combinação.
A curiosidade foi na subida do Mirante do Saboó; a maioria dos atletas foram ultrapassados por um cão em disparada. Olhando a velocidade do bicho, a sensação de impotência aumenta ainda mais.
Os primeiros 85 km apresentaram a insana altimetria de 2000 metros e a média de velocidade foi lá pra baixo. A matemática foi fazendo a conta de distância que faltava e a perna que tinha sobrado.
Tem provas que a cabeça empurra as pernas e outras que as pernas empurram a cabeça, quando deixei a estrada do vinho e parti para Sorocaba, fiquei sozinho. Sozinho é modo de dizer, porque a cabeça vai buscar coisas que você nem imagina, faz conta, equaciona problemas pessoais, senti raiva, perdoa, se questiona, canta e dá risada enquanto as pernas trabalham.
Na volta de Sorocaba, caiu um dilúvio de dar inveja a Noé e sua arca. A roupa ficou encharcada entrando no tubo das ondas que os carros jogavam no acostamento. Nessa altura, você passa a sentir dó de si mesmo e quando a chuva ameniza parece que leva junto as coisas ruins e a euforia de estar próximo. Faz ganharmos um bônus de energia.
Chegando na Castelo, tivemos que passar pela ponto de partida e seguir até o retorno, mais ou menos uns 4 km; que foram intermináveis. Passar o seu destino final para um ciclista é inconcebível, retorno feito, prova completa, total de quase 9 horas de pedal e 10:30 horas de prova.
Não sei ainda se é a sensação de conquista ou de fome a maior nesse pós prova, passei dois dias comendo tudo que via e ainda estou com fome.
Esse mês ainda tem o Brevet de 400km, em Boituva. Quem sabe não temos mais histórias pra contar se as pernas concordarem.