Os homens são mais de 70% dos mortos no trânsito de SP
O perfil feminino por trás do volante é uma importante chave para tornar o trânsito mais humano e reduzir drasticamente os números de pessoas mortos no trânsito das cidades.
“Mulher no volante, perigo constante.”, tai uma frase que nunca fez sentido. O certo seria: “Dirija como uma mulher e salve vidas!”. Seja pelo zelo pela sua própria vida, ou pela do outro, fato é que mulheres dirigem com mais cuidado, e consequentemente, são responsáveis por menos acidentes.
Os números que comprovam essa realidade estão em todos os lugares: nos dados oficias, nas seguradoras de automóveis, nas reclamações das companhias de transporte público e nos leitos dos hospitais. O perfil feminino atrás do volante é uma importante chave para acalmar o trânsito da cidade e salvar vidas.
Ao final de recente reunião do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito de São Paulo, uma frase discreta do Secretário Sérgio Avelleda esquentou esse debate. Na ocasião, Avelleda declarou: “Tenho que levar em consideração a questão de gênero na comunicação de segurança de trânsito. Se os homens dirigirem com o mesmo cuidado que as mulheres, nós atingiremos fácil, fácil, a meta da ONU.”.
A meta a qual o Secretário de Mobilidade e Transporte se refere, deriva do pacto internacional com a Organização das Nações Unidas, que é a de reduzir em, no mínimo, 50% o número de vítimas no trânsito até 2020, conforme determina a resolução que estabeleceu o período de 2011 a 2020 como a “Década de Ações para Segurança no Trânsito”.
Atingir essa meta é um ponta pé para que o trânsito deixe de ser um ambiente que ceifa vidas; uma guerra, onde motoristas comportam-se como se tudo fosse permitido, inclusive matar. Pessoas e políticas públicas tem como prática habitual eximir de responsabilidade o condutor do automóvel, que, por imprudência e impunidade, lesa a vida de alguém, ou mesmo, que a tira.
Se olharmos os dados fornecidos pela CET-SP e pelo Estado de São Paulo, vemos uma significativa redução no número de vítimas de trânsito. No estado todo, houve uma diminuição de 8% quando comparado o primeiro semestre de 2016, com o mesmo período de 2015. A queda na cidade de São Paulo foi ainda maior, 20,3% quando comparado o ano de 2015 ao de 2014. Nos dois casos, ainda estamos longe da meta.
Mas o mais impressionante mesmo, é quando nos debruçamos para ver quem morre mais nessa realidade macabra. Segundo dados do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo (Infosiga–SP), a média de homens que morrem no transito é sempre maior a 70%, chegando a marca de 80% no mês de junho de 2016. E a maior porcentagem quando falamos em faixa etária, é entre os jovens de 18 a 24 anos.
Essa grande porcentagem se espelha quando procuramos saber não apenas quem morre, mas quem mata no trânsito. Os dados oficiais não se interessam em traçar o perfil do criminoso, e limitam-se a analisar apenas as vítimas. Mas a média de homens que estão atrás do volante nas colisões é também por volta dos 80%. Roberto Salvador Scaringella, que foi Secretário de Transportes de São Paulo na década de 80 e Diretor-superintendente do Instituto Nacional de Segurança de Trânsito em 90 – entre outros cargos na área de mobilidade -, abria o jogo quanto aos infratores do trânsito: em sua esmagadora maioria são homens. Scaringella já falava em uma direção nos padrões femininos para diminuir as mortes no trânsito.
Se considerarmos também que mais de 30% das colisões fatais envolvem ônibus, e que mais de 90% dos condutores desses veículos ainda são homens, concluímos a realidade: homens não são apenas os que mais morrem, mas, invariavelmente, os que mais matam.
Aos leitores de plantão, pode surgir a questão: e o que é dirigir como uma mulher? Abrindo mão dos clichês e preconceitos, trago casos interessantes para serem analisados. Um deles referente a companhia de ônibus Tupi, prestadora de serviços de transportes na Zona Sul da Capital Paulista. A Tupi, no ano de 2016, resolveu empregar exclusivamente mulheres em uma das suas linhas, interessantemente na linha que embarca passageiros do Aeroporto de Congonhas, declarados pela empresa como mais exigentes.
“Selecionamos esta linha porque os passageiros têm o perfil mais exigente, zelando pela qualidade e bom atendimento, já tivemos bons resultados em relação à redução no número de reclamações. Antes, a média era de nove queixas por mês, a maioria por causa da postura de quem dirige, como freadas bruscas, passar em alta velocidade em buracos, etc. Nestes quinze dias, só tivemos uma reclamação na linha” – disse Ernandes ao Blog Ponto de Ônibu.
A iniciativa da empresa Tupi é apenas uma entre tantas que vem surgindo no Brasil e no mundo. Caso semelhante aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, onde campanhas privadas em busca de motoristas mulheres foram feitas. A iniciativa pública também não pode ficar fora dessa; na última gestão da cidade de São Paulo, uma portaria determinou que 30% das vagas nas empresas de ônibus deveriam ser destinadas a elas.
O perfil feminino mais zeloso no trânsito se estende a todos os modais. Na mobilidade por bicicleta, por exemplo, também é muito importante considerar as questões de gênero para que estruturas realmente inclusivas sejam desenhadas. A professora e escritora chilena, Lake Sagaris, tem no seu trabalho esse enfoque. No Brasil no último Bicicultura, Lake fez uma palestra onde defende a mobilidade na perspectiva feminina como a chave para uma cidade para todos.
“As mulheres tem um perfil de uso da bicicleta menos agressivo. Querem poder usar a bicicleta com seus filhos e para realizar os diversos deslocamentos diários que fazem parte do perfil feminino no trânsito. Para isso é necessária uma estrutura que inclua de verdade: ciclovias largas para bicicletas não convencionais, intermodalidade real que permita o acesso a cidade sem a exclusividade de modal e por ai vai”, reflete a precursora de um programa de mobilidade no Chile que vem derrubando tabus e fomentando uma intermodalidade na capital Santiago.
Seja em cima da bicicleta, nas calçadas da cidade, ou de trás dos volantes, as mulheres tem muito a ensinar sobre boa convivência e empatia nas ruas. Antes de dar voz aos seus preconceitos, se permita ser mais feminino no trânsito e na vida.