Como incluir as mulheres no ciclismo? Simples: Pense Mulher
...é frequente as regras femininas serem decididas na última hora. Assim elas já nem aparecem nessas provas, pois grande parte das meninas tem medo de largar junto aos homens
Quando Boris Johnson, o ex-prefeito de Londres, decidiu fazer da capital inglesa uma cidade ciclável – isso foi a partir de 2008 – adotou-se o conceito “Think Bike”, traduzindo: “Pense Bicicleta”. Isso veio acompanhado de uma campanha publicitária com o mote de ver e, realmente, enxergar o ciclista a sua frente. E daí, passar a respeitá-los.
É um fato: muitos sustos que levo no trânsito são logo seguidos de sinceros pedidos de: “Puxa, me desculpe, eu não te vi!”.
Por mais absurdo que seja, é verdade. Motoristas, em geral, veem, mas não enxergam o ciclista, pois não “pensam bicicletas”. Aliás, não pensam pedestres e crianças também.
Um vídeo ícone dessa fase londrina é esse aqui:
São duas bolas para dois times de 4 jogadores de basquete, um de preto, outro de branco. O narrador desafia o público a contar quantos passes o time de basquete vestido de branco faz. Ao final, ele dá o resultado e pergunta se o público viu um macaco no meio dos oito jogadores. O vídeo dá um retrocesso e podemos ver um imenso macaco preto a desfilar lentamente na tela. A frase final é matadora: “É fácil você perder algo que você não está procurando… Procure por ciclistas!”.
A nossa sociedade faz exatamente a mesma coisa com as mulheres. Ainda hoje, em todos os aspectos, elas são enxergadas apenas quando convocadas para cuidar dos filhos, dos anciões da família, dos afazeres de casa, etc e tal. Essa ladainha vocês conhecem, não preciso descrever.
No caso do ciclismo, enquanto não se “Pensar Mulher”, o assunto não irá para frente. Isso vale para o esporte, mobilidade, lazer, enfim, tudo mesmo. Aliás, em tudo mesmo devemos “Pensar mais Mulher”.
O último exemplo que presenciei, foi durante o sétimo Shimano Fest, como o nome diz, é a festa da bicicleta, com espaço para todos os amantes do pedal. Um belíssimo evento e esse ano a hashtag foi #respeitopelabike.
Por algum motivo, que ninguém soube me explicar, decidiu-se juntar homens e mulheres na categoria Open do Criterium, prova que por fim retorna as ruas de São Paulo. Antigamente, o Criterium rolava nos eventos promocionais da 9 de Julho e eram show de bike.
Ao juntar todas as mulheres na categoria Open, imediatamente colocou-se de escanteio a participação feminina, pois não há como elas competirem em pé de igualdade com os homens, em especial quando o assunto é ciclismo de velocidade. Não deu outra, já na segunda volta, todas, menos uma, foram desclassificadas. A única sobrevivente saiu na terceira de 10 voltas.
A organização se tocou e decidiu fazer uma segunda largada para a Open Feminino, o que salvou em parte o evento.
Digo em parte pois: é frequente as regras femininas serem decididas na última hora. Assim elas já nem aparecem nessas provas, pois grande parte das meninas tem medo de largar junto aos homens.
Quem “Pensa Mulher”, entende que não importa a situação, a largada deve ser sempre separada!
Poucas mulheres na pista significa pouca disputa e esse fato se repetiu nas provas da elite feminina, tanto o Criterium, quando o Short Track.
O motivos da falta de interesse das mulheres em competir no ciclismo são seculares. A UCI, ainda hoje, é extremamente machista e embora esteja correndo atrás do prejuízo, ainda lhe custa “Pensar Mulher”.
As premiações são desiguais, os patrocínios também, a indústria demorou para lançar bicicletas femininas que não fossem apenas rosinhas. As categorias não contemplam as mesmas divisões por idade, quando crianças meninas não pedalam, meninos sim e por aí vai. A origem dos problemas são sócio culturais e o ciclismo é mais um espelho desse mundo que não “Pensa Mulher”.
Somente nesse ano de 2016, é que as mulheres disputam um World Tour de Estrada, é o UCI Women’s World Tour, com provas em etapas no Estilo Tour de France e Giro d’Italia. Antes, o calendário anual consistia de 10 provas importantes, de um único dia. Agora, esse calendário subiu para uns 35 dias de provas. Triplicou! Mas não chega aos pés do calendário masculino, que só nos Tour de France, Giro d’Italia e Vuelta da Espanha correm mais de 60 dias.
Na UCI tivemos a atuação da brasileira Andrea Marcellini para abrir esse calendário feminino; outra brasileira valente nesse cenário é Flávia Oliveira, sétima na Rio 2016; de longe o melhor resultado brasileiro no ciclismo olímpico de todos os tempos.
Flávia é fruto de mérito próprio e não uma conquista de política pública de esporte brasileiro. É mais uma guerreira num país que está muito longe de “Pensar Mulher” quando o assunto é ciclismo.