Brasília: a oportunidade perdida
Em São Paulo, a transformação vai muito além da bicicleta. O que está sendo feito diz respeito a ocupação dos espaços públicos, a retirada de espaço dos automóveis e uma mudança radical...
Estive em São Paulo nesta última semana e pude pedalar por alguns quilômetros das novas ciclofaixas (que insistem em chamar de ciclovias) da cidade. Também tive a oportunidade de conhecer algumas das cabeças que estão por trás de seu planejamento e implantação. A meta são 400km até o final de 2015 dos quais, em 3 meses, já foram quase 100km concluídos.
Conhecendo e conversando com várias pessoas foi possível identificar diversas diferenças entre a política que está sendo implementada em São Paulo e a que foi feita em Brasília na implantação dos quase 400 km de ciclovias nos últimos 3 anos.
Em São Paulo, a transformação vai muito além da bicicleta. O que está sendo feito diz respeito a ocupação dos espaços públicos, a retirada de espaço dos automóveis e uma mudança radical em como as pessoas viam as ruas e agora conseguem ver as pessoas e os prédios antes escondidos pelos automóveis estacionados.
São mais de 100 pessoas dentro do governo e da CET envolvidas diretamente no planejamento e execução da ciclofaixas.
Renata Falzoni
Em Brasília, um projeto velho e desatualizado foi implantado a toque de caixa com envolvimento zero da sociedade civil e praticamente nulo de técnicos do governo.
Enquanto, em São Paulo, o prefeito e o secretário de transportes exigem que as ciclofaixas sejam implementadas e cobram que os técnicos resolvam os conflitos existentes e priorizem as bicicletas. Em Brasília, o DETRAN se recusou a resolver as intersecções das ciclovias com as ruas, chegando ao ponto do seu presidente dar declarações dizendo ser ilegal um cruzamento pintado no Sudoeste e mandou apagá-lo e, com isso, impediu que outros fossem pintados.
Enquanto, em São Paulo, os movimentos e associações que promovem a bicicleta tem um canal aberto com os responsáveis pela implantação e, apesar de não concordarem com todas as decisões, aparentemente confiam na capacidade dos técnicos envolvidos. Em Brasília, existia o Comitê Gestor da Política de Mobilidade Urbana por Bicicletas do Distrito Federal que, apesar de se dizer um comitê gestor, nada era resolvido ali, muito menos a opinião da sociedade civil era ouvida ou existia confiança na capacidade do governo de resolver e fazer tudo da melhor forma possível.
Enquanto, em Brasília, nenhum metro de via ocupado pelo automóvel foi reduzido (apesar de ter as faixas de rolamento superdimensionadas). Em São Paulo, dezenas de milhares de vagas de automóveis foram removidas e várias vias foram ainda mais estreitadas para que as ciclofaixas fossem instaladas dando vida a diversos espaços mortos da cidade.
Enquanto, em São Paulo, existe um cuidado todo especial para que não se retire nenhum centímetro dos limitados espaços que os pedestres possuem. Em Brasília, centenas de metros de calçadas foram destruídas e em vários casos até foram subtraídas para que a ciclovia passasse com um pavimento ainda pior que as calçadas antes existentes.
Enquanto, em São Paulo, todas as pontes (e são quase centenas) receberão tratamento para receber a bicicleta através de ciclofaixas, ciclovias e até ciclopassarelas ou ciclopontes. Em Brasília, nenhuma das apenas 4 pontes comportam a bicicleta.
Enquanto, em São Paulo, campanhas interessantíssimas já foram realizadas e outras estão sendo elaboradas para serem exibidas no horário nobre da televisão. Em Brasília, as fracas campanhas realizadas não ganharam nem as redes sociais.
Enquanto, em São Paulo, foram implantados bicicletários seguros, que funcionam gratuitamente, 24 horas por dia, junto as estações de metrô e que serão ampliados para todas as estações, em Brasília, não existe nenhum bicicletário público com segurança.
E, talvez o mais importante, em São Paulo, todas as vias, ruas, pontes e afins que receberam e receberão ciclovias e ciclofaixas terão as velocidades reduzidas. Em Brasília, adivinhe quantas tiveram as velocidades reduzidas? Pois é, nenhuma!
Não é só por São Paulo ser referência para o Brasil (nas coisas boas e ruins) que a prioridade dada a bicicleta é relevante, é, também, a seriedade de como a coisa está sendo feita que é importantíssimo. E isso se reflete na transformação que a cidade está passando através da bicicleta.
Em Brasília, as ciclovias foram implementadas e ponto. Não se vê nenhuma transformação acontecendo. Optou-se por construir infraestruturas segregadas que desaparecem ao atravessar as ruas, que não retiram e nem questionam o espaço do automóvel que continua reinando absoluto, podendo estacionar impunemente sob as decorativas placas de proibido estacionar.
Fazer uma ciclofaixa não é só jogar tinta vermelha no chão, assim como, fazer uma ciclovia não é só concretar um trecho de área verde.
O que está sendo feito em São Paulo não é o ideal e fica longe do perfeito. São Paulo, em poucos anos, ainda será muito inferior a Amsterdã, Copenhagen, São Francisco, Davis, Portland, Bogotá e dezenas de outras cidades que investem na bicicleta e nos espaços públicos há anos. Mas, inegavelmente, a transformação começou.
Por outro lado, Brasília deixou passar uma oportunidade única de transformar a cidade através da bicicleta. Espera-se que o próximo governante entenda que as ciclovias não resolveram nada e que muito ainda é necessário fazer para que ela cumpra seu papel de ser uma cidade modelo para o Brasil, principalmente no que diz respeito a mobilidade por bicicleta.