Lições da Colômbia
Medellín foi a sede do quarto Fórum Mundial da Bicicleta, o FMB4, um sucesso de público, com a passagem de mais de 6 mil ciclistas interessados em mobilidade sustentável e bicicleta.
Medellín foi a sede do quarto Fórum Mundial da Bicicleta, o FMB4, um sucesso de público, com a passagem de mais de 6 mil ciclistas interessados em mobilidade sustentável e bicicleta. De longe, foi o maior evento dessa categoria na América Latina.
A sua organização é horizontal, financiada por doações, sem patrocínio de empresas ligadas ao setor. A participação é gratuita, os organizadores não são remunerados e não há uma constituição jurídica por trás.
O Fórum nasceu em Porto Alegre, uma resposta dos ciclistas daquela cidade para aquele atropelamento em massa protagonizado por Ricardo Neis. Quem não viu é só buscar no Youtube por “Atropelamento em Porto Alegre” e bingo, verá uma cena de horror, onde o motorista alucinado faz boliche de uns 20 ciclistas e por muita sorte, ninguém morreu. Coisas do Brasil.
As duas primeiras edições aconteceram em Porto Alegre, em 2014 foi para Curitiba e de lá saiu do Brasil para Colômbia, país dono de dois ouros olímpicos no ciclismo, cuja capital Bogotá, tem 7% de suas viagens feitas em bicicleta.
Renata Falzoni
A capital da Colômbia, Bogotá, conta com 400km de ciclovias
A grandiosidade do Fórum foi o lado bom e ao mesmo ruim do evento. Ele perdeu um bocado da sua essência. As oficinas paralelas, onde entidades de ciclistas cicloativistas deveriam trocar experiências de países latinos, ficaram ofuscadas por palestras de grandes figurões como Janette Sadik-Khan, a ex secretária de Transportes de NY; Enrique Peñalosa, o prefeito que Bogotá que desenvolveu o BRT (Bus Rapit Transit) e construiu 400 km de ciclovias; Jaime Ortiz, o cofundador das ciclovias (de lazer) de Bogotá e Antanas Mockus, ex-prefeito de Bogotá adorado como “O professor”; enfim as boas palestras esvaziaram as oficinas paralelas.
Isso foi ruim. Uma agenda um pouco mais bem estudada teria evitado isso.
O Brasil estava presente em peso, éramos uns 100 e a maioria juntou forças para trazer o próximo Fórum a São Paulo, que nesse momento vive uma revolução no quesito mobilidade por bicicleta, mas que está sendo alvo de críticas infundadas pela mídia em especial a impressa, influente na elite paulistana.
Essa crítica com foco na polêmica e na audiência, não no debate construtivo, está criando um clima de desrespeito e agressividade por parte de alguns motoristas inconformados em compartilhar as ruas com ciclistas.
Produzimos aqui no Bike é Legal um vídeo (http://migre.me/oSv2C) em defesa da vinda do Fórum a São Paulo, mas na assembleia final, não tivemos o quórum necessário e o quinto Fórum acontecerá em Santiago no Chile, cidade excelente de se pedalar, em transformação há 8 anos.
Pedalei por Bogotá antes de voltar ao Brasil. A cidade tem números interessantes relacionados a sua mobilidade. Hoje, 7 a 8 % das viagens são feitas em bicicleta – cifra comparada a Londres – 40% vão nos corredores de ônibus, o Transmilenium, desenvolvidos há 15 anos, inspirados nos corredores de ônibus de Curitiba, e hoje denominados de BRT; 20% vão nos ônibus que não estão integrados aos Transmilenium e o que se nota nas ruas da cidade é um eterno congestionamento provocado pelos automóveis que representam apenas 10% das viagens.
A poluição é de terror, nesse quesito eles estão muito atrasados.
Alguns analistas estão preocupados, pois a tendência da prefeitura será dar prioridade a investimentos viários, para carros e isso tem um motivo, negar o vetor da gestão de Enrique Peñalosa de 15 anos atrás.
Por uma questão de partidarização, os prefeitos que sucederam Peñalosa, não continuaram a investir no Transmilenium, conclusão o sistema está insuficiente para a demanda e os ramais de expansão previstos não foram construídos.
Ao lado disso, muitos fatores promovem o uso da bicicleta em Bogotá. O primeiro deles sem dúvida é a estrutura, são 400 km de ciclovias. Elas necessitam um melhor acabamento e mais conectividade. Os passeios noturnos e a ciclovia de lazer aos domingos também fazem o seu papel. Em fevereiro acontece o “Dia Sem Carro” quando ninguém pode sair de carro de casa, muitos vão de bicicleta.
Mas atualmente acredito que o que mais fomenta o uso da bicicleta em Bogotá é justamente esse intencional sucateamento do sistema BRT. Um grande número de ciclistas que hoje pedala por Bogotá, alega que saiu do transporte público para a bicicleta pois o sistema é caro, super lotado e desintegrado.
Voltando a gestores que adotam soluções negando a gestão do prefeito anterior, esse é justamente o perigo da partidarização do debate. É o perigo que nós paulistanos corremos.
Por outro lado, nós ciclistas fazemos acontecer e não precisamos da tutela ou favor de nenhum gestor, veja-se quanto a isso a grandiosidade do Fórum Mundial da Bicicleta, um evento gigante que por não ter uma formalização jurídica, “não tem por onde pegar”.
Assim somos, não tem como nos brecar, a bicicleta é a solução e ponto.