Bicicleta na mídia e o 22 de setembro
Talvez a maior revolução do Dia Mundial Sem Carro seja a capacidade de sobrepor as aparições negativas sobre bicicleta em jornais e sites noticiosos.
Quem acompanha bicicletas no Brasil pode ceder à tentação de monitorar a palavra na vastidão da internet. É acima de tudo interessante entender os caminhos e descaminhos do que se escreve em português sobre as tão queridas magrelas.
Talvez a maior revolução do Dia Mundial Sem Carro seja a capacidade de sobrepor as aparições negativas sobre bicicleta em jornais e sites noticiosos. Em geral os textos falam sobre como “ciclista colide em veículo” e vem a falecer ou bizarrices tais como: “Maioria dos ciclistas acidentados usa bicicleta como meio de transporte”. Algo bem óbvio, já que segundo os dados oficiais apenas 1% dos que pedalam o fazem por esporte em nossas ruas.
Datas comemorativas costumam ser apenas festejos passageiros, mas ao longo dos anos o 22 de setembro tem trazido um pouco mais de vitalidade para quem pedala e para quem quer fazer das nossas cidades ambientes mais adequados e compatíveis com a vida humana nas ruas.
Durante ao menos uma semana no ano a maior parte das menções à palavra bicicleta é favorável. São passeios ciclísticos, voluntários que ensinam a andar de bicicleta, vitórias da bicicleta em desafios intermodais, novas bicicletas públicas, debates, fóruns e tantas outras boas notícias.
Mas claro que a cobertura negativa e as “colisões” e “acidentes” continuam com espaço garantido. Talvez menos pela perda de vidas humanas e mais pela facilidade de acompanhar o rádio da polícia e escrever um texto baseado em um boletim de ocorrência mal preenchido. Afinal na maioria das vezes a cobertura de “acidentes” em espaços noticiosos é apenas um copiar e colar da declaração oficial da polícia sobre o ocorrido.
O ciclista acaba pro figurar como “azarado”, inepto, inapto ou simplesmente um estorvo circulante. Mas certamente nada resumiu melhor a visão do que é a inadequação da vida no ambiente urbano que um vídeo gravado como denúncia e apresentado na televisão local carioca e também no noticiário nacional.
Um menino, ao que tudo indica membro de uma família em situação de rua, sobe e desce várias vezes um viaduto na região central do Rio de Janeiro, bem próximo à Prefeitura. Em uma das descidas gravadas um motorista buzina atrás do menino. Enquanto as imagens mostram a psicopatia de certos motoristas frente ao inusitado de uma criança que insiste em brincar no meio da rua, o âncora televisivo fala do perigo que o menino, que não deve ter mais que 8 anos, representa para si mesmo e para o fluxo motorizado.
Certamente é no mínimo indadequado “denunciar” uma criança pela vontade de brincar. Assim como é extremamente inadequado buscar culpar os ciclistas vitimados no trânsito pelas consequências da velocidade e/ou imprudência de condutores de veículos motorizados.
Um caminho certeiro para humanizar as cidades é olhar para a necessidade das crianças, ver o uso que fazem (ou são impedidas de fazer) das ruas. Afinal uma cidade adequada aos menores e mais frágeis humanos será mais adequada a todos.
– Recomendo a leitura e download do livro “Crianças em Movimento”.
– Aos que tiverem interesse em ver (e ouvir) a “denúncia” contra o menino que ousou brincar em um viaduto.