Como não enlouquecer a 50 por hora!
Dois anos depois troquei meu carro por uma bicicleta e só quando senti na pele, entendi que pressa e velocidade são os principais ingredientes de uma cidade violenta, agressiva e ruim para todos.
Tirei carta de motorista em 1972 e a zilhão no meu fuscão azul calcinha, confundia guiar bem com guiar depressa, assim ganhei a alcunha de “Renata Fittipaldi”, uma alusão ao próprio Emerson que em 74 consagrou-se bicampeão mundial de Fórmula 1.
Reynaldo Berto
Como não enlouquecer a 50 por hora!
Dois anos depois troquei meu carro por uma bicicleta e só quando senti na pele, entendi que pressa e velocidade são os principais ingredientes de uma cidade violenta, agressiva e ruim para todos.
A partir dos anos 60 e 70 tudo piorou em São Paulo. Minhocão, 23 de Maio, Radial Leste, Marginais, retirada dos bondes, sucateamento dos trens, início e interrupção das obras do Metrô, o auge do “milagre brasileiro”, o glamour da indústria automobilística mandando em Brasília, com isso mais e mais carros nas ruas e por fim o aumento da velocidade máxima nas avenidas de 60 para 70km/h em 2003!
Esse processo glorificou um motoristas afoito, intolerante na cidade que “não pode parar”, onde tudo é para ontem, com as bênçãos da impunidade, no país onde crimes de trânsito são classificados como meros “acidentes”.
Quando São Paulo por fim baixou a velocidade máxima nas avenidas de 70 km/h para 50km/h a irritação daqueles que só vão de carro ficou evidente e tida pela mídia como “legítima”, uma vez que a ansiedade por acelerar fez – e ainda faz – parte do imaginário do cidadão paulista. O “eu” prevalece sobre o “nós” e assim milhares de vidas se vão por ano.
Em 2014 foram 1249 mortos nas ruas da Capital Paulista, sem falar nos estimados pelas USP em 4400 que vieram a falecer nos hospitais, envenenados pela poluição. Essas mortes não estão contabilizadas como vítimas de trânsito.
De imediato, o que se notou ao dirigir na cidade depois da redução da velocidade, foi um trânsito mais calmo, exceção feita a alguns motociclistas. A cidade ficou mais tranquila e até agradável, mesmo para pessoas como eu que não gostam de dirigir no espaço urbano.
Houve uma comprovada queda de 18% na mortalidade, São Paulo ficou mais silenciosa, mais calma e os motoristas mais previsíveis. Hoje é possível dar uma seta e trocar de faixa de rolamento, sem aquele costumeiro estresse e buzinadas nas orelhas.
Para mim, diminuir a velocidade máxima resultou em aumento da velocidade média, redução de consumo de gasolina, economia de pneus, menos emissão de poluentes, pois hoje eu consigo dirigir na boa, na paz.
Para aqueles que não aguentam rodar com calma, sugiro algumas técnicas de controle da ansiedade.
-Trave uma “competição” com o seu computador de bordo e busque recordes de baixo consumo de gasolina. Quanto mais na boa o pé, acelerar devagar e brecar o mínimo possível, menor é o consumo.
-Aposte com o tempo do semáforo. Siga na boa, na banguela sem brecar até o semáforo abrir e com isso aproveitar o embalo. Aqui funciona melhor a noite.
-Conte os ciclistas na cidade, você passará a vê-los e percebê-los. Somos muitos!
-Conte o tempo em segundos de distância entre o seu veículo e o da frente. Dois segundos é a distância segura.
-Perceba como a visão periférica aumenta exponencialmente com a redução da velocidade. Mesmo a 50km/h não é possível perceber os pedestres, a 30 é possível descrever a roupa do cidadão.
Mesmo com todas essas técnicas, ainda hoje ao volante tenho que me cuidar para não cair na tentação do pé de chumbo, e o motivo disso é o próprio desenho das ruas de nossas cidades, que pede velocidade.
Direitas livres, semáforos de pedestres sempre verdes para os motoristas, avenidas largas, subdivididas em pistas também largas e ao seu lado, motoristas velozes incomodados, ávidos por acelerar.
Enfim, tudo nessas cidades pede velocidade.
Dessa forma, além de trocar as placas nas ruas, há que se requalificar o espaço público, para que os motoristas sejam motivados a diminuir a velocidade e a respeitar a prioridade dos cidadãos e estes sentirem-se queridos nas ruas e não ameaçados como são hoje.
Lombofaixas, estreitamento das vias nas travessias, ampliação e criação calçadas intermediárias em cruzamentos, estreitamento de ruas, e por aí vai. Basta querer é só redesenhar.
Um dado que serve para refletir. Um metro a menos em uma travessia de pedestre significa 10% menos de acidentes nesse local.
Tem como argumentar contra? Claro que não.
Velocidade nas ruas é mais um exemplo onde menos é muito mais.