A experiência de pedalar no L’Étape Brasil
O ciclista amador Ricardo Gaspar conta como foi pedalar a versão brasileira de uma etapa do Tour de France na cidade de Cunha, em São Paulo.
Pelo terceiro ano seguido, a cidade de Cunha foi o local escolhido para quem quisesse pedalar e sentir-se em uma das etapas do famoso tour francês, o que significa, garantia de um percurso desafiador e com muita subida.
Cunha fica a 230km da capital paulista, terra do pinhão, da cerâmica, da pecuária, do maior número de fuscas do Brasil e agora, também do ciclismo.
O ponto de partida é o portal de entrada da cidade, você pode escolher entre 50km ou 110km de prova, a primeira metade vai até a divisa com o Rio de Janeiro e volta para Cunha, onde os que optaram pelo percurso completo seguem para Campos de Cunha.
Recebi o convite para participar na quarta-feira anterior à prova, o telefone toca, olho quem está chamando, as pernas suplicam para que eu não atenda, mas a tentação é maior e combino que na sexta partiríamos para o desafio inédito.
Havia treinado na primeira perna do trajeto um pouco antes e já imaginava o nível de dificuldade para poder cruzar a linha de chegada, mas essa medalha é um dos desejos de ciclista entusiasta, que eu, e tantos outros têm.
Chegamos ao village, onde existiam várias tendas de produtos de ciclismo, alguns food trucks, um espaço montado pela Leforte, para deixar os músculos em dia antes e depois da prova, um imenso painel de LED em frente ao lago, onde seria passado o briefing da prova e o ginásio ao fundo para a retirada do kit.
No dia seguinte, ouvi que teria um pedal solta pernas, me juntei ao grupo logo cedo e fui, quando olho para o lado, Murilo Fischer e Carlos Sastre eram os “puxadores” do pedal, simplesmente, um brasileiro que participou por anos das grandes provas internacionais, um espanhol que já ganhou um Tour e eu.
Com 10km de girinho, percebi que para eles não faltaria perna, e que para mim era melhor voltar e esticá-las para cima. Voltei para a casa que estávamos, meio incrédulo com os parceiros do pedal matutino.
No dia da prova, padrão normal pré-prova, tudo organizado, entro no meu setor, ouço a contagem regressiva e parto para a primeira etapa, na minha cabeça, dividi em quatro partes, é uma forma de diminuir a distância mentalmente e ter pequenas conquistas, a parte até a divisa seria praticamente 23km de muitas subidas, me concentrei para controlar a empolgação e cadenciar sem exagerar no sofrimento, cheguei na placa de retorno e iniciei a volta.
A segunda parte é rápida, muita descida e uma subida malvada na chegada a Cunha, tínhamos outro ponto de apoio, passei direto e parti para terceira parte, aquela que seria o maior desafio, a temida Quatro Serras, literalmente, Cunha fica em um buraco cercado de montanhas por todos os lados.
Durante toda a prova, a população da cidade incentivava os ciclista, com gritos, buzinas, sinos, mensagens de apoio, e isso com certeza proporciona uma energia boa para continuarmos e foi nessa vibração que passei pelo portal de Rei e Rainha da Montanha, e sabia que daquele ponto em diante, era sofrimento até o km 76, me concentrei nesse número e fui metro a metro até chegar, faltavam 4km para chegar ao último ponto de apoio, e foi a descida com maior arrependimento que fiz em toda minha vida, sabia que aquele seria o caminho de volta.
Resolvi parar, tirei as sapatilhas, comi, bebi, me estiquei e trabalhei minha cabeça que só faltavam 30km e que o pior já tinha passado, respirei e fui.
Gosto de conversar durante as subidas duras, nem todos se empolgam, mas é possível ficar quase íntimo nas subidas longas, o sofrimento compartilhado deixa as pessoas muito mais próximas, chegando no topo, é hora de descer.
As descidas eram todas muito técnicas, fechadas e em alta velocidade, os gritos de “esquerda”, nos obrigavam a mudar a tangência da curva, e é preciso muita atenção para não errar e parar fora da pista.
Faltando pouco mais de 5km, um morador em frente à sua casa, estava com uma mangueira de água e jogava nos ciclistas assim que eles passavam, muito mais que aliviar o calor, renovava o espírito e a vontade de chegar, pedalei renovado, até ver a cidade do alto e saber que estava muito próximo de chegar.
O corredor de pessoas, você no centro, a igreja no alto e 800 metros de subida íngreme em paralelepípedo, era o que me separava da linha de chegada, coloquei um sorriso cansado mas feliz no rosto, e fui curtindo metro a metro até receber a merecida medalha de finisher.
O ano que vem foi anunciado que teremos duas provas, uma na tradicional Cunha e outra em Campos do Jordão, novos desafios pela frente.