Emerson Fittipaldi: a contradição do garoto propaganda de Dória
Emerson Fittipaldi é o novo garoto propagando do aumento das velocidades nas marginais de São Paulo. O que a imagem do ex-piloto diz sobre o imaginário paulistano?
Na última sexta-feira (20), a Prefeitura de São Paulo lançou uma nova peça publicitária para promover o aumento das velocidades máximas nas Marginais Pinheiros e Tietê. O garoto propaganda convidado foi o amigo pessoal de Dória, Emerson Fittipaldi, um dos maiores pilotos da história. Fittipaldi é bicampeão da Fórmula 1, além de acumular 22 vitórias na Fórmula Indy.
No áudio vinculado, Fittipaldi fala em tom sereno: “Nas minhas corridas, a segurança sempre esteve em primeiro lugar. A partir de 25 de janeiro, as velocidades nas marginais serão readequadas. Faça como eu: não use celular dirigindo, respeite o motociclista, o ciclista e o pedestre. Respeite a sinalização. Nas pistas ou no trânsito, quem tem que estar na frente é a vida. Trânsito bom é trânsito seguro”, anuncia o ex-piloto.
A fala de Fittipaldi não é ruim. Ele fala em não usar celular, respeitar a sinalização, e principalmente ciclistas e pedestres, e afirma que trânsito bom é trânsito seguro. A contradição está em querer relacionar tais comportamentos com o aumento das velocidades. O que é ainda mais curioso é o fato de, desde 2011, Emerson Fittipalde e outros grandes pilotos assinarem uma campanha da Federação Internacional do Automóvel (FIA) pedindo mais segurança no trânsito, incluindo a redução de velocidade em grandes cidades como medida capaz de diminuir significativamente os acidentes.
Dentre as tantas questões que surgiram aqui no Bike é Legal após o anúncio, a primeira delas foi: qual o sentido de relacionar a direção nas marginais com corridas de automobilismo? Afinal, qual é a mensagem que o Prefeito Dória pretende passar? Talvez: divirta-se com seu carro no nosso “autódromo particular”, mas tente (TENTE) preservar a vida.
Me é caro enfatizar o tente porque assim como em uma corrida –primeira situação descrita pelo ex-piloto na peça-, dirigir em alta velocidade tira do motorista o controle absoluto de manter o trânsito seguro. A começar pelo tempo de frenagem, e terminando em uma falsa liberdade, que se dissemina entre os paulistanos motorizados, de que acelerar a maior capital da América Latina tem haver com a escolha individual de pisar fundo no acelerador, e deixar em segundo plano a segurança e preservação da vida.
Esse imaginário individualista, diretamente ligado ao status de ter um carro, foi bastante explorado durante a campanha eleitoral do prefeito eleito João Dória. Foi com a bandeira de aumentar as velocidade máximas nas marginais, e até mesmo no resto da cidade, que Dória conquistou boa parte do seu eleitorado. Veja bem: isso posto, concluímos que uma boa parcela dos paulistanos escolheu seu maior dirigente em detrimento de uma escolha estritamente pessoal, deixando pautas muito mais latentes para a cidade em segundo plano. É com esses paulistanos que a imagem de Fittipaldi conversa?
As dívidas milionárias de Emerson Fittipaldi
Em abril de 2016, a TV Record produziu uma reportagem especial expondo a atual realidade financeira do ex-piloto e sua situação no mercado, onde acumula dívidas que somam quase 27 milhões de reais. E não se tratam apenas de contas milionárias, mas de uma série de pequenas transações com pessoas humildes que até hoje não foram pagas. Das 17 empresas no nome do ex-piloto, 15 só existem no papel. É com esse perfil de fora da lei que o Prefeito Dória pretende conscientizar os paulistanos sobre respeito ao próximo?
As marginais e um projeto falido de rodovias urbanas
Durante a última reunião do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito de São Paulo, o Diretor da CET, João Octaviano, argumentou que em seus projetos originais as duas marginais eram pensadas como rodovias urbanas. Ativistas da mobilidade ativa contra argumentaram que já existem estudos publicados que mostram que as estruturas não conseguem ter tal função, principalmente nos dias atuais.
Durante a gestão de Fernando Haddad, as velocidades nas Marginais Pinheiros e Tietê foram reduzidas com base em padrões internacionais. Os limites como agora estão, sendo mantidos até segunda instância na Justiça de SP após liminar que suspendeu os aumentos, são de 70 km/h nas expressas, 60 Km/h nas centrais e 50 km/h nas locais.
A proposta de João Dória é subir as velocidades máximas de 70 para 90 km/h nas pistas expressas, de 60 para 70 km/h nas centrais e de 50 para 60 km/h nas locais. Apenas as faixas da direita das duas pistas locais teriam o limite mantido em 50 Km/h.
Não quero questionar aqui o quão positiva para a cidade algumas medidas do novo prefeito podem vir a ser. Mas, falo por mim – com o amparo da maior organização internacional, a ONU – que aumentar as velocidade das marginais não tem nada haver com segurança. Uma nova sinalização, a ampliação das equipes de apoio e até mesmo uma peça publicitária com um ex-piloto, famoso por correr no autódromo e parar no farol vermelho na cidade, não são capazes de prevenir acidentes. Todas essas medidas são, no máximo, passíveis de uma maior eficiência na hora de socorrer os já acidentados.