Opinião: emissões de CNH caem 30% e provam que carro já não é sinal de status
Em entrevista feita com estudantes de 18 a 25 anos (campus USP São Paulo e Ribeirão Preto), 59% dos entrevistados não tinham carteira de motorista. Aquele rito de passagem dos 18 anos perdeu força
A velocidade desse mundo moderno, a correria do dia a dia, a busca pela ascensão social, trabalhar e pagar conta, a falta de tempo para as coisas e pessoas que gostamos, de repente nos vimos envolvidos em uma situação que passa a nos controlar, já não decidimos, acompanhamos a turba e o lado que nos leva.
Reynaldo Berto
Emissões de CNH caem 30% e provam que carro já não é sinal de status
Lendo o livro “O Poder do Hábito”, a informação de que quase 90% do que fazemos já não queremos fazer, mas estamos tão acostumados que não conseguimos fugir, me deu um choque inicial e me fez a cada decisão repensar se era isso mesmo que eu estava com vontade.
E essa forma de conduzir nossas vidas, simplesmente no automático, nos leva ao momento que o corpo ou mente se manifestam, nos brecam e nos obrigam a mudar o rumo. Apesar da insegurança e medo do que não conhecemos traz.
Essa insatisfação pode se demonstrar de diversas formas: o trabalho de todo dia mais esvazia que preenche, a cidade que você sempre circulou já não faz parte de você, falta de conexão com as pessoas e por ai vai.
Muitos amigos nos seus 30 ou 40 anos me surpreenderam simplesmente mudando tudo, escolheram uma nova cidade, um novo trabalho, uma novo país; uma reação, pois chegaram a um ponto em que essa era a única opção. A vida antiga já não era mais suportável, não cabia mais neles; precisavam mudar.
Essa transformação também acontece na mobilidade urbana. Quando passo de bicicleta e vejo inúmeros carros parados, os olhares fixos, torcendo para a luzinha vermelha virar verde para que possam andar poucos metros e novamente fixar o olhar no semáforo, me questiono: como eles conseguem passar por isso todo dia? Quando se arriscarão a ter uma qualidade de vida melhor? Quando decidirão escapar desse caótico trânsito, que gera mais raiva do que quilômetros percorridos?
Não sou romântico a ponto de achar que a bicicleta ou o transporte público (atual) -aliás esse seria o principal responsável- resolveria a questão, ou que todos podem encaixar seu dia em duas rodas e um coração. Mas acredito sim que uma porcentagem razoável poderia tentar, experimentar, deixar as ruas para os que realmente tem essa necessidade.
O automóvel, que por tantas gerações foi sinônimo de liberdade, de conquista, da sensação de poder ir onde eu quiser, quando eu quiser, passou a ser prisão física e dependência financeira. Quanto terei que abrir mão dos desejos pra mantê-lo, passar quatro ou cinco horas por dia dentro de um carro. Essa maquina já não tem poder de sedução nos mais novos, não querem mais se prender as coisas e preferem seguir viagem com menos peso.
Um dos sinais desse novo tempo é a diminuição em 30% das novas cartas de motoristas, essa estatística deixa claro esse novo comportamento. Não é que eles não querem ter carros, eles já nem se preocupam em ter a condição de dirigir.
Em entrevista feita com estudantes de 18 a 25 anos (campus USP São Paulo e Ribeirão Preto), 59% dos entrevistados não tinham carteira de motorista. Aquele rito de passagem dos 18 anos perdeu força, os jovens não enxergam o carro como símbolo de status e sim de locomoção e hoje estão optando por formas melhores.
Pode haver o questionamento, que a crise é uma forte responsável por isso, mas números mostram que isso não é uma tendência no Brasil, mas sim no mundo. Não faço apologia contra o carro, que é sim fantástico em longas distância, transporte de mais pessoas. Mas se arrisque a usar outros meios quando possível, acabamos percebendo que essa necessidade não está nem perto de ser absoluta.