Diária das Magrelas: A tentativa frustrante de ser motorista
O carro te dá a falsa sensação de estar em um lugar privado, quando na verdade você está no meio da rua, em um lugar comum a muitos modais.
Desde os meus dezenove anos eu sou autorizada a guiar um carro. Passei pelas aulas teóricas e pelas práticas e depois de um processo de quase três meses estava com a minha carteira de motorista em mãos. Na época eu ainda não usava a bicicleta como meio de transporte, tão pouco o carro. Era tudo na base do transporte público ou das caronas.
Giuliana Pompeu
Selfie de desilusão
Apesar de já se passarem quase três anos da minha autorização legal para guiar um automóvel, foi só nesse final de semana que finalmente usei o carro para me locomover pela cidade de São Paulo. Fiz isso porque meus pais viajaram e minha mãe não estava perto para ficar me amedrontando quando a minha incompetência para balizar e também porque o carro acomodariam ao menos duas pessoas que rotineiramente utilizam a bicicleta como meio de transporte.
Para minha surpresa, não sou tão ruim na baliza. É tudo uma questão de manter a calma e fazer as manobras com cuidado, sem pânico e respeitando não só o espaço da vaga, como também a minha capacidade de colocar o carro ou não em um determinado espaço. Além disso, meu reconhecimento do trânsito como uma ciclista fez eu ter muito cuidado na hora de passar um farol, observando se do outro lado havia espaço a frente da faixa de pedestres ou se minha impaciência me faria ficar em cima da faixa, atrapalhando todo mundo. Vale dizer que também fiquei muito atenta aos espaços entre os carros no trânsito, tanto nas minhas laterais como à frente. Só quem anda sobre duas rodas sabe como faz diferença esses preciosos espaços, que não nos predem no trânsito em função de tantos automóveis.
Mas vamos ao trânsito. Esse é com certeza o fator mais agoniante dessa cidade. Ficar parada dentro de um carro em uma fileira de tantos outros, te faz quase entender o porque das pessoas serem tão impacientes. É um verdadeiro estresse. Mas uma frase que vinha na minha cabeça e acho que todos os motoristas deveriam ter bem clara é: resolveu ir de carro, aguenta! Não adianta ficar querendo que todos saiam da sua frente, eles também querem o mesmo. E mesmo assim todos dentro de seus carros resolveram sair de carro.
O fato é que para uma pessoa que está habituada a ter muitas possibilidades de desviar do trânsito, ficar presa nele desperta uma ansiedade absurda. Até porque, além de fugir do trânsito, em cima de uma bike você raramente fica parado. O movimento continuo das pernas nos pedais, os constantes olhares em 360º para verificar o entorno, fazem de um ciclista atrás do volante um ser quase alienígena. Enquanto os outros motoristas paravam nos faróis, olhavam seus celulares, fumavam seus cigarros, eu estava constantemente atenda a espera de um sinal.
O carro te dá a falsa sensação de estar em um lugar privado, quando na verdade você está no meio da rua, em um lugar comum a muitos modais. A falsa sensação de que a rua é só dos motoristas, ao meu ver, é decorrente de uma profunda acomodação de que dentro de nosso carros estamos excluídos do entorno. Com tantos pontos cegos e itens de entretenimento, como rádio, ar condicionado, espelhos, vidros elétricos, celulares a um toque, ou mesmo os tão confortáveis bancos, é fácil ter a sensação de se estar em um sofá que anda e sinto que as pessoas quase acreditam que estão em suas casas.
Nesse final de semana, entendi que carros podem ser um modal muito funcional quando o assunto é se locomover pela cidade de noite, quando não há uma boa oferta de transporte público, ou em um grande grupo de pessoas com destino ao mesmo lugar. Mas afirmo com todas as letras, que como meio de transporte a bicicleta é uma grande solução. Poder estudar, trabalhar, encarar a cidade durante a semana com uma bicicleta, não perdendo horas parada, é transformador e libertador. Faz bem à saúde física e mais ainda à saúde mental.
Bom pedal! E se for dirigir, não se estresse 😉