O planejamento cicloviário na Alemanha criado pelo desenvolvimento automobilístico
Assim como no Brasil, a bicicleta era usada massivamente por trabalhadores e vista como obstáculo para os automóveis.
Antes de começar a ler este artigo, confira a PARTE 1 AQUI.
Início das ciclovias na Alemanha antes do Nazismo (1890-1920)
Os primeiros registros de demanda por ciclovias na Alemanha não são muito claros, mas muitas evidências mostram que começou em 1890 sobre o discurso de segurança não só dos ciclistas, mas dos pedestres e até mesmo dos cavalos. De toda forma, a própria conjuntura da estrutura viária já era visto naquela época como impraticável de reservar um espaço apenas para ciclistas.
Arquivo público
Registro de ciclistas passando pelos destroços da 2a Guerra Mundial, Berlin 1945
A primeira ciclovia da Alemanha surge em Bremen em 1897 com 2,50m de largura no meio da rua tendo como principal motivo o fato de que as ruas eram muito esburacadas na época. O mais curioso é que a ciclovia foi financiada pelos próprios ciclistas. Isso mesmo: nada de recurso do governo, mas do próprio bolso de quem usaria a estrutura.
Com isso, o fim do século 19 representou um “boom” de várias ciclovias em cidades isoladas da Alemanha, como os 400 km em Magdeburg (financiado por um instituto de pesquisa de construção de rodovias), em Lübek (havia um imposto e emplacamento de bicicletas que bancou a estrutura) e também começa em 1901 a demanda por rotas cicloturísticas atravessando o país.
Influências do Nazismo na história da ciclomobilidade e seus impactos (1920-1998)
Os primeiros planos cicloviários em massa na Alemanha surgiram na década de 1920 e por um motivo muito peculiar.
Bundesarchiv
Comemoração do “Dia do Ciclista Alemão”, Berlin, 24 de Set. de 1933
Assim como no Brasil, a bicicleta era usada massivamente por trabalhadores e vista como obstáculo para os automóveis. Tendo isso em vista, planejadores de transporte enfatizaram cada vez mais a ideia de se construir ciclovias para retirar os ciclistas das ruas e deixarem os motoristas passarem a vontade.
Quando Hitler assume o poder, converte essa ideia em uma política que seguia a mesma lógica Nazista: Recht des Stärkeren (“direito aos mais fortes”). Em 1o de Novembro de 1934 é publicado o 1o Código de Trânsito do país. Nessa lei, os ciclistas eram obrigados a usar a ciclovia, independente da sua eficácia em conectar a cidade e do próprio fato de existir ou não uma ciclovia.
O governo Nazista confirma esse argumento da bicicleta como obstáculo por meio de um release de imprensa descrevendo o motivo da nova política lançada: “Para mostrarmos aos estrangeiros uma prova de uma próspera Alemanha, onde os motoristas encontrarão pistas seguras não só nas rodovias, mas também em todas as ruas por meio da proibição de ciclistas nestas.”
Bundesarchiv
Ciclista sendo multada por não estar pedalando na ciclovia, Berlin 1934
Durante a 2a Guerra Mundial, boa parte do país e suas grandes cidades foram destruídas, como Berlin (80% da cidade destruída), Dresden (mais de 90% do seu centro), entre várias outras. Com o fim da guerra e os destroços, as cidades foram se reconstruindo, algumas com um tom mais modernista e outras conservadoramente reconstruídas exatamente como antes. Independente da forma, as bicicletas continuaram sendo vistas como um meio de locomoção separado do trânsito de veículos motorizados, principalmente por meio de ciclovias compartilhadas com o pedestre.
Evidentemente que o discurso após a 2a guerra mudou, deixando de citar as ciclovias como solução para remover os “obstáculos” (ciclistas) das ruas, mas como garantia da segurança dos seus usuários. Porém, houve também um outro fator histórico que foi a divisão da Alemanha entre a Ocidental e Oriental, esta última sob regime comunista.
O planejamento cicloviário no lado Leste teve menos atenção dos planejadores urbanos que no Oeste, resultando em muito menos infraestrutura cicloviária. Mesmo assim, várias cidades também tinham altos índices de uso de bicicleta, chegando a 50% da divisão modal total, devido a uma cultura já anterior da bicicleta, mas com ruas em condições muito ruins de se pedalar.
Ainda mais curioso é o fato de que a política segregadora do ciclista no trânsito, por meio da obrigatoriedade do uso das ciclovias no período Nazista, persistiu até 1998. Foi apenas então, por meio de uma emenda no Código de Trânsito, que se criou critérios de segurança e qualidade das ruas, claros o suficiente para dizer quando e como seria possível de fato proibir o ciclista de usar as vias, além de estabelecer critérios de qualidade das ciclovias, prevendo a possibilidade de não usá-las quando não estivessem em boas condições.
Esse “atraso” na política cicloviária alemã fez com que algumas cidades ignorassem esta novidade do Código de Trânsito e continuassem observando a bicicleta como um obstáculo no trânsito. Até hoje é possível observar tal comportamento por parte dos motoristas. Mesmo assim, é impressionante avaliar como, mesmo com esse discurso desenvolvimentista contra os ciclistas no período Nazista, houve a sensatez de construir ciclovias por todo o país.
Na PARTE 3 vamos entender como os movimentos de ciclistas influenciaram a promoção da bicicleta na Alemanha e como elas se formaram.