Diário das Magrelas: o primeiro chão a gente nunca esquece
A rua da Alameda Campinas tem três faixas, eu já estava na do meio e para entrar de vez na da esquerda. Olhei mais uma vez para trás, avistando uma BMW vindo sem pretensões de diminuir a velocidade.
Eu de fato estava numa maré de azar. Já fazia mais de uma semana que minha saúde não melhorava, meu nariz continuava entupido e eu tossia feito uma condenada. Mas deixar a bike em casa estava sendo difícil, andar de ônibus depois de conhecer a liberdade do pedal não é uma tarefa fácil.
No décimo primeiro dia de gripe, resolvi que a manhã estava muito bonita para deixar a bicicleta na garagem e munida com alguns lenços de papel, sai pedalando pelas ciclovias do centro de São Paulo. Pedalar naquele dia não estava sendo muito agradável, a cada desnível do asfalto minha cabeça e minhas vias aéreas arrepiavam de dor.
Reynaldo Berto
O primeiro chão a gente nunca esquece
Foi um dia de trabalho difícil, onde os lenços de papel se acumulavam ao redor do computador. E olhando aquela cena, conclui que aquele dia não poderia terminar sem a evitada visita ao hospital (já desconfiava estar com sinusite). Mas antes de encarrar a missão na sala de espera, precisava subir a Alameda Campinas para entregar o último trabalho na faculdade.
Quando virei a direita na primeira quadra da alameda, lembrei que a bike poderia precisar de uma calibragem nos pneus e avistando um posto na esquina seguinte, olhei para trás para poder ir passando para a faixa da esquerda onde fica o posto de gasolina. A rua da Alameda Campinas tem três faixas, eu já estava na do meio e para entrar de vez na da esquerda. Olhei mais uma vez para trás, avistando uma BMW vindo sem pretensões de diminuir a velocidade.
Como estava indo para a faixa da esquerda, onde a preferencial é para veículos com maior velocidade, pensei que seria justo eu subir para a calçada e deixar o apressado passar numa boa. Mas usando um português claro, eu me ferrei nessa decisão. A guia rebaixada que eu pensei resolver meu problema era pra lá de carrocrata, com uma enorme canaleta para escoar a água da chuva, que por sinal cairá recentemente deixando o asfalto bastante escorregadio.
A equação não é difícil; estado de saúde abalado, asfalto molhado, desespero para sair logo da frente do motorista, guia rebaixada carrocrata e minha baixa habilidade em mountain bike, fizeram minha bicicleta ficar no buraco e eu ir pro chão daquele jeito mais vergonhoso e dolorido, no qual você só quer rebobinar a fita alguns segundos e evitar os futuros acontecimentos.
Mas vida não se rebobina e eu tratei logo de levantar e ir para a calçada completamente. Quando olhei pra cima, já haviam dois manobristas de restaurantes próximos me oferecendo ajuda, mas como sempre, falei que estava bem e joguei as céus minha revolta.
Conferindo o estrago, vi que tinha ralado bastante meu joelho e culote esquerdo, mas ainda quente subi pedalando até quase alcançar a Avenida Paulista e foi aí que xinguei a vida. Querendo um gole d`água fui pegar minha caramanhola no quadro da magrela, mas ela não estava lá e sim, eu desci para buscar e felizmente ela estava encaixada na mesma maldita canaleta que cai.
Dessa vez resolvi subir a pé com a bike do lado e quando finalmente cheguei na Falcudade Cásper Líbero o ambulatório estava fechado, o dia não estava fácil. Entreguei o trabalho e fui de carona com a minha mãe e com a bike no carro até o pronto socorro. O resultado foram três longas horas no hospital, dois curativos, e uma semana sem pedal e tomando antibiótico para o que de fato era uma sinusite.
As lições desse longo dia:
-Não pedale pelas ruas de uma cidade tão movimentada se você não estiver 100% bem para situações adversas;
-Não tenha tanta pressa em dar a vez para os motoristas de carro, eles raramente fazem isso pelos ciclistas e pedestres e a pressa é de fato inimiga da perfeição;
-Alguns conhecimentos básicos de pilotagem teriam me livrado dessa queda, por isso é preciso aprimorar a cada dia suas técnicas no pedal.