Diário das Magrelas: atenção, ciclista no ônibus!
Abri o portão de pedestres do prédio como não fazia a muitas manhãs (afinal já são quase três meses de mobilidade por bicicleta) e comecei a caminhada até o quase esquecido ponto de ônibus.
Pedalar é uma atividade física maravilhosa. A maioria das vezes, sair para um pedal ajuda a revitalizar o corpo e a mente, mas tem dia que não tem como, a solução é mesmo evitar exercícios físicos para recuperar as energias perdidas.
Reynaldo Berto
De volta a capital paulista, depois do feriado prolongado que homenageia o mártir da Inconfidência Mineira, Tiradentes, precisava decidir entre ir ou não ir de bike para o trabalho após quatro bons, mas cansativos, dias de viagem.
Mesmo com a idéia na cabeça desde a segunda-feira (20) e tendo chegado em São Paulo quase meia noite de ontem, acordei nessa manhã cinzenta de quarta-feira pós feriado com ânimo para pedalar. Mas, a volumosa chuva que caiu essa manhã me desanimou de vez, foi literalmente a gota d’água para eu decidir vir de ônibus para o Bike é Legal.
Abri o portão de pedestres do prédio como não fazia há muitas manhãs (a final já são quase três meses de mobilidade por bicicleta) e comecei a caminhada até o quase esquecido ponto de ônibus. A cena de eu perdendo o ônibus por apenas uma quadra já estava quase se repetindo, quando por sorte o motorista teve compaixão e parou antes do ponto para eu embarcar.
Sentada em um banco na parte da frente do coletivo, fui pensando em como minha perspectiva sobre a cidade é diferente em cima da magrela, mas mesmo assim estava feliz pela fluidez inesperada do trânsito.
O ônibus seguia na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, subindo em direção a Avenida Paulista, quando no cruzamento das mesmas um senhor em pé ao lado do motorista indagou:
– São possíveis essas ciclovias? Ficar tirando faixa de rolamento de automóvel pra colocar essas porcarias, quem faz isso só não é mais louco que quem pedala numa cidade como essa. Tanto louco dirigindo por ai que pra perder a vida é um segundo de desatenção!
Olhei o senhor de cima a baixo, pensei um pouco no quanto contraditória era sua argumentação e resolvi falar:
– O senhor sabia que a grande maioria das ciclovias tiram vagas públicas e não vias? A Ciclovia da Av. Paulista está sendo feita no canteiro central, a via que está sendo ocupada será liberada junto com a entrega da nova estrutura segregada.
E pra finalizar, tive que dizer:
– Tem outra coisa também. Devo ser uma completa louca, porque pedalo todos os dias em São Paulo!
Então foi a vez do senhor me olhar de cima a baixo e logo em seguida perguntar indignado:
– Você? Não sei como tem coragem, é um perigo! Não tem medo de morrer?
Respondi que não, que minha escolha por pedalar em São Paulo mudou minha vida e que as ciclovias que ele tanto xingava, são as estruturas que mais me protegem e dão segurança para o meu pedal urbano.
Meio sem jeito, o senhor limitou-se a dizer “pelo menos protegem você”, descendo já no ponto seguinte e impossibilitando a continuação da minha argumentação. Mas, algumas questões sempre levantadas por cicloativistas ficaram mais evidentes em minha cabeça.
A desatenção nesses fatídicos segundos, que de fato levam muitas vidas, é de quem afinal? Dos motoristas é claro, essa até o senhor revoltado respondeu. Mas se então todos sabem disso, por que muitos ainda insistem em achar que o correto é dar o máximo de liberdade e espaço para esses motoristas loucos?
O senhor adjetivou como loucos tanto os ciclistas que pedalam por São Paulo, quanto os motoristas que dirigem agressivamente. O uso do termo só colabora mais para o péssimo entendimento dos comportamentos daqueles que se deslocam pela caótica São Paulo. Motorista louco é igual a pessoa irresponsável, que avança seu carro sem se preocupar com a vida daqueles que o rodeiam nas ruas da cidade. Já ciclista louco é o mesmo que pessoa corajosa, que se dispõem a pedalar em vias rodeadas de motoristas irresponsáveis, afim de colaborar para uma melhor e mais saudável mobilidade urbana.
Mas somos mesmo todos loucos e imprestáveis se isso significar se dispor a mudar a cidade e a vida nela. Se hoje pais e avós nos xingam e tentam nos expulsar das ruas, serão daqui poucos anos que seus filhos e netos virão nos agradecer por lutar por uma cidade democrática, habitável e que se mova de forma justa e eficiente.