"Uma sagração à primavera ciclística"
A ideia era ousada: apropriar-se das ruas para criar um enxame ciclístico que buscava retomar as ruas para as pessoas (e bicicletas).
Igor Stravinsky estreou “A Sagração da Primavera” há 102 anos. A peça era ousada: apropriando-se do folclore de seu país, o compositor a descreveu como uma “obra coreográfico-musical, representando a Rússia pagã, unificada por uma única ideia: o mistério e o grande surto de poder criativo que vem com a primavera”. A linguagem era muito arrojada para a época, e a reação da audiência naquela estréia foi de vaias e violência. Reza a lenda que cadeiras voaram no palco durante a apresentação. Hoje, é um clássico, já apareceu em filmes da Disney, já teve versão para trio de jazz e, se não fosse essa e outras obras do mesmo contexto, a música hoje em dia (e não falo só da música de concerto) talvez teria tomado caminhos bem diferentes.
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Uma Sagração à Primavera Ciclística – Massa Crítica Belo Horizonte
Chris Carlsson, ao lado de outros ciclistas californianos, criou a “Massa Crítica” há 22 anos. A ideia era ousada: apropriar-se das ruas para criar um enxame ciclístico que buscava retomar as ruas para as pessoas (e bicicletas), buscando um pouco de alento para uma das maiores doenças degenerativas das grandes cidades: o excesso de carros particulares. O termo que a batizou é emprestado da sociologia, onde “massa crítica” é o número suficiente de adeptos de uma inovação num sistema social, de forma que a taxa de adoção se torne autossuficiente e gere, por si só, mais desenvolvimento. Este conceito, por sua vez, é emprestado da física nuclear, onde se refere à quantidade de substância necessária para iniciar uma reação em cadeia. Mas, defronte desta inovação, a reação daqueles que não pedalam foi (e ainda é) de vaias e violência. Certa vez, em New York, o prefeito da cidade mandou prender centenas de pessoas que participavam de um desses protestos… Hoje, a massa crítica acontece na última sexta-feira do mês em centenas de cidades do mundo inteiro, com adesão de milhares de pessoas e, se não fosse este e outros movimentos no mesmo contexto, pedalar pelas cidades hoje em dia talvez ainda seria bem mais difícil do que é.
Neste acordar para a bicicleta e as cidades cicláveis que vivemos hoje no Brasil e em várias partes do mundo, e na véspera da maior bicicletada do ano em Belo Horizonte, achei que seria oportuno reunir este conjunto de fotografias com a “bença” do velho Igor numa “Sagração da Primavera Ciclística”. Celebro com esse gesto “o grande surto de poder criativo” que pode advir da adoção da bicicleta na vida das grandes cidades, numa “grande reação em cadeia” para tornar nossas vidas um pouco mais vivas.