Vende-se uma bicicleta invisível
Tem muita gente bacana atrás dos volantes dos automóveis, tem muito motorista que é cuidadoso, que respeita, ou que pelo menos não é agressivo. Isso é bom, isso é ótimo, agradeço de coração e alma.
Roupa colorida, luvas, óculos, colete refletivo e capacete. Lanterna branca dianteira piscando no capacete. Lanterna branca dianteira piscando no guidão. Lanterna traseira vermelha piscando no bagageiro. Sinalização refletiva nos pedais, sinalização refletiva lateral, além de outros adesivos refletivos espalhados por toda a bicicleta. Campainha e espelho retrovisor esquerdo. E a intenção das ações sinalizada com as mãos. Este sou eu pedalando na rua. Mesmo assim, com tudo isso, tem motorista que não me vê. Ou se vê, finge que não, afinal ele tem pressa e precisa chegar logo. Que se dane o ciclista!?
Tem muita gente bacana atrás dos volantes dos automóveis, tem muito motorista que é cuidadoso, que respeita, ou que pelo menos não é agressivo. Isso é bom, isso é ótimo, agradeço de coração e alma. Mas ainda existem os que não se preocupam com os outros, os que atropelam, os que matam, os que desrespeitam as leis, os que desrespeitam a vida. Estes daí, não enxergam a minha bicicleta no trânsito, não me vêem em cima da bike pedalando, não me consideram parte do fluxo, e são estes que me preocupam. Não quero ser atropelado, ter meu braço decepado ou meu cérebro espalhado no asfalto. Quero ser visto. Na rua, preciso ser visto. E respeitado. Mas creio que ainda continuo invisível. E a minha bicicleta também.
Rex
World Naked Bike Ride 2013.
Assim como eu, milhares de ciclistas todos os dias se deslocam pela cidade, utilizam a bicicleta como meio de transporte, mas também ainda são invisíveis, parece que ninguém os enxerga.
No dia 9 de março de 2013, assim como em outras partes do mundo, aconteceu em São Paulo a 6ª edição da World Naked Bike Ride (WNBR), a Pedalada Pelada. Numa chuvosa noite de sábado, ciclistas tiraram a roupa como forma de protesto, tentando chamar a atenção das autoridades e da sociedade por mais respeito no trânsito. Tentando serem vistos. Quem sabe tirando a roupa, aí então os motoristas enxergam aqueles que pedalam.
Tirar a roupa e pedalar pelado, também demonstra a fragilidade do ciclista no trânsito. É exatamente assim que nos sentimos cada vez que compartilhamos as vias com os veículos automotores. Nos sentimos completamente nus.
Renata Falzoni
World Naked Bike Ride 2013.
Tive a oportunidade de fazer parte de uma super equipe que foi registrar a WNBR deste ano. Além da grande cicloativista Renata Falzoni que dispensa apresentações, e Silvia Ballan que pedala desde os 14 anos, hoje é mãe e leva suas filhas de bike pra escola, lá estava eu pra também registrar em vídeo as imagens da manifestação. Os três nas bikes e com suas respectivas câmeras.
Começamos filmando no Espaço Contraponto onde uma turma estava se preparando e fazendo as pinturas e inscrições em seus corpos. Saímos de lá já sob uma chuva intensa que não parou mais. Chegamos na Praça da Ciclista e tinha uma galera pronta pra encarar as ruas com chuva, trânsito e tudo mais. A polícia também apareceu, mas desta vez apenas para escoltar e direcionar o fluxo do protesto, sem interferências ou repressão. Seguimos todos então pedalando pelas ruas da cidade, alguns pelados, outros meio pelados, alguns fotografando e filmando, todos com um objetivo em comum.
Renata Falzoni
Rex, bikerrepórter do Bike é Legal, na World Naked Bike Ride 2013.
A chuva realmente esteve conosco o tempo todo, e sua energia boa é sempre muito bem-vinda, mas representa um desafio maior pra quem está filmando por exemplo. Mesmo assim pedalamos com a turma até o retorno à Praça do Ciclista. Ficamos totalmente ensopados, mas os equipamentos receberam cuidados especiais e sobreviveram. Foi lindo, foi divertido, foi bacana, teve força social e política, teve energia, teve alma. Foi demais!
E mesmo com a semana bem conturbada, com tudo que aconteceu no caso do atropelador Alex Siwek, procuramos dedicar um tempo para editar com carinho todo o material captado, todas as imagens e entrevistas que fizemos na noite em que os pelados dominaram as ruas. E eis que finalmente, a reportagem está pronta. Um muito obrigado a todos que puderam participar e se mantiveram firmes no propósito mesmo com o frio e chuva, e um agradecimento especial para a equipe da qual tenho a honra de fazer parte.
E pra quem quiser comprar a minha bicicleta invisível, é só entrar em contato.
Um grande abraço a todos.
Rex