A dura vida dos ciclistas capixabas
Deslocar-se de bicicleta entre os municípios de Vitória e Vila Velha, no Espírito Santo, tem sido algo um tanto revoltante, que só faz perder a credibilidade e a esperança no poder público.
Deslocar-se de bicicleta entre os municípios de Vitória e Vila Velha, no Espírito Santo, tem sido algo um tanto revoltante, que só faz perder a credibilidade e a esperança no poder público.
A estrutura utilizada pelos automóveis, a chamada “Terceira Ponte”, exclui pedestres e ciclistas, que são proibidos de passar por ali. Se você estiver a pé, precisa tomar um ônibus ou táxi. E, até alguns dias atrás, se você estivesse de bicicleta teria que aumentar seu trajeto em cerca de 14 quilômetros. Sim, 14 quilômetros a mais para fazer o trajeto usando outra ponte, porque naquela simplesmente não pode.
E por que não é permitida a passagem de pessoas a pé ou de bicicleta pela ponte, num claro caso de apartheid veicular? Eu poderia dizer que é porque os carros pagam pedágio, por isso acabam recebendo prioridade nas políticas públicas, mas vamos às justificativas mais usadas: inclinação muito forte para se pedalar, distância muito grande para se vencer a pé, vento em cima da ponte. E talvez surja mais alguma quando a argumentação consistente e as propostas criativas dos cicloativistas debelarem essas três.
Em agosto deste ano, ciclistas locais chegaram a fazer uma manifestação durante a Bicicletada mensal, tentando cruzar a ponte pedalando. Foram recebidos pela polícia que, fortemente armada, os ameaçou de prisão, chegando a interromper o tráfego na ponte para fazê-los voltar. Depois de alguma negociação e uma boa dose de coragem, os ciclistas que partiram de Vitória conseguiram chegar a Vila Velha. Mas quem estava em Vila Velha não conseguiu driblar a PM para chegar em Vitória. A manifestação então rumou para a frente da casa do governador, com faixas, palavras de ordem e muito barulho. Felizmente ninguém foi detido, tampouco houve confronto com a polícia.
Depois de muita pressão, o estado do Espírito Santo resolveu tentar atender à necessidade de cruzar a ponte de bicicleta. Com uma ciclovia? Nããão. Com uma ciclofaixa? Também não. Então foi compartilhando a faixa direita com os carros, sinalizando o solo com o pictograma da bicicleta para legitimar o uso da via? Acorda, Alice.
A solução foi criar uma linha de ônibus só para levar os ciclistas ao outro lado. Legal, não? Não. Pode parecer uma boa solução, mas não é. Para começar, não há rampa para entrar no ônibus, é preciso carregar a bicicleta, que muitas vezes está com o bagageiro cheio e fica pesada. Esqueceram que nem todos os ciclistas são atletas, que nem todas as bicicletas são leves e que há quem transporte volumes pesados nelas. Os suportes não prendem muito bem as bikes, pois é impossível atender, com a solução adotada, a enorme variedade de tamanhos e formatos. Pra piorar, nos horários de pico os ciclistas ficam presos no congestionamento causado pelos carros, já que não há faixa exclusiva para transporte público na ponte. Imagina a agonia?
E, pra fechar com chave de ouro, os ciclistas pagam R$ 1,25 pela passagem, enquanto quem está nos automóveis paga R$ 0,80 de pedágio. Sai mais caro ir de bicicleta do que ir de carro.
Tá tudo errado: a pé, você não pode passar; de transporte coletivo, é obrigado a sofrer com o congestionamento causado pelo excesso de automóveis (geralmente em pé); de bicicleta, fica preso no congestionamento sem poder sair do ônibus e pra piorar ainda paga mais do que quem está indo de carro.
Desse jeito, o governo do estado só estimula mais ainda o uso do automóvel, com três pessoas ocupando em seus carros o espaço onde caberiam umas 80 em um ônibus, ou pelo menos umas 15 em bicicletas. É preciso facilitar, desonerar, investir e criar estrutura para aumentar o uso do transporte coletivo, da bicicleta e das viagens a pé, mesmo que para isso seja necessário dificultar o uso do automóvel.
Afinal, o objetivo deve ser incentivar a migração do carro para o transporte coletivo, a bicicleta e o pedestrianismo. O que está sendo feito é justamente o contrário. É receita certa para estabelecer o caos no trânsito – que, pelo jeito, já chegou.