Cicloturismo: Casal e sua filha se aventuram nas estradas do Uruguai
Fernando e Caroline serão os novos colunistas do Portal Bike é Legal. O casal de cicloturistas viajam com sua filha pequena por alguns destinos incríveis do mundo e agora vão dividir tudo com a gente!
O mais difícil é sair de casa. Há meses ensaiávamos essa partida mas à medida que a viagem se aproximava, o frio na barriga aumentava e no dia de partir a única coisa que vinha à mente era: “Por que atravessar um país, de bicicleta, levando uma menina de dois anos?”
Bom, a preparação começa um pouco antes. Maya, então com dez meses, já fazia parte dos nossos pedais por trilhas leves onde moramos. Ela ia em uma cadeirinha de guidon e parecia se divertir mais que nós. O capacete, mesmo infantil, precisava de um enchimento pra ficar firme na cabeça. Costumávamos pedalar uns 5km parando durante o caminho e nessas paradas ela descobria um novo mundo de pedras, folhas e flores.
Os meses foram se passando, Maya foi crescendo, o peso aumentando e o parafuso da cadeirinha entortando. Depois de uma boa pesquisa, chegamos a conclusão que um trailer seria a solução. Nele, ela teria mais espaço, proteção e assim poderíamos ir um pouco mais longe.
Quando Maya estava com um ano e meio, saímos de Catas Altas-MG e pedalamos até o Santuário do Caraça. No “porta-malas” do trailer, comida, sacos de dormir, fraldas, bonecas e uma bola de futebol (que ela fez questão de levar). No Caraça, é possível alugar os aposentos que eram usados pelos alunos quando era escola. Foi uma experiência incrível. A cada parada, Maya descobria novos horizontes e sabíamos que era a primeira cicloviagem de muitas. Na semana seguinte, todos os dias pela manhã, Maya entrava no trailer acho que na esperança de cair na estrada de novo. Nessa mesma semana, começamos a planejar a próxima viagem, dessa vez um pouco mais longa.
Por que Uruguai?
Conhecemos a terra do Mujica em 2012 e foi impressionante ver a quantidade de cicloturistas que viajavam por lá. Parecia ser a rota perfeita. Terreno plano, motoristas educados, segurança invejável e estrutura de camping por toda a costa. Com todos esses fatores, não tem muito como dar errado. Então começamos nossa pesquisa. Lemos todos os relatos de cicloturistas pelo Uruguai, pesquisamos sobre outras famílias que viajavam com crianças pelo mundo afora, listamos todos os campings que encontramos na net e por fim, compramos a passagem. Através do site www.ridewithgps.com criamos uma rota que beirasse o mar sempre que possível.
Então, numa segunda feira de Janeiro desse 2016, partimos em um vôo BH-SP-Montevideo e chegamos lá por volta das 6 da manhã. No saguão, trocamos 200 dólares por pesos uruguaios, compramos um chip pré-pago e do lado de fora do aeroporto, montamos as bikes, o trailer e partimos rumo à costa. A ficha ainda não tinha caído. Por causa da conexão em SP, dormimos pouco e o cérebro ainda não tinha processado que estávamos alí.
Apesar de bem planejada, nem sempre dá pra seguir um roteiro em uma viagem dessas, principalmente por causa da Maya. No primeiro dia, por exemplo, a idéia era pedalar 25km até o primeiro camping. Com 10km, fizemos a primeira parada em um parquinho e enquanto estreávamos o fogareiro com um café, Maya se divertia escalando os brinquedos. Como saímos cedo e o vento estava colaborando, decidimos seguir um pouco além do previsto e paramos no terceiro camping da lista. Ali conseguimos avisar a família que tava tudo certo. Pra desbloquear o chip do telefone foi preciso ligar na operadora e fornecer um documento pro atendente e voilà!
No segundo dia, passamos o primeiro perrengue. Entramos em uma vila litorânea na esperança de que alí conseguiríamos mais água mas estávamos enganados. A vila era residencial e parecia meio fantasma. Por sorte, um morador de saída, nos forneceu uma garrafa. Daquele momento em diante, nunca mais ficaríamos sem água. Maya, no trailer, se mantinha entretida alternando sua atenção entre os brinquedos que levou e as paisagens que ficavam pra trás. Em meio a esses brinquedos, o que ela mais curtia era um livrinho interativo de feltro feito pela mamãe. No terceiro dia, já sabia que quando chegávamos ao camping, montávamos a barraca e juntávamos lenha pra fogueira.
Acho que um dos segredos pra uma boa cicloviagem em família é respeitar o tempo da criança. Parar quando ela quer parar e fazê-la se sentir parte da equipe, o tempo todo. Nos 22 dias de viagem, pedalamos 775km, passamos por 11 campings e ela deu muito menos trabalho por lá que em casa, mesmo quando esquecemos a mamadeira dela em Cabo Polonio. Outra dica, levar duas mamadeiras. Não tem preço a sua reação ao chegar ao El Águila em Atlantida e gritar espantada: “Olha!!!! Passarin!!!” Ou na escultura Los Dedos em Punta del Este: ”Papai! Mão!!!”
O Uruguai é um país bem humano, os campings são repletos de famílias e Maya acabava fazendo amizades por onde passava. O único problema de verdade pra um cicloturista no país é uma coisa intangível. O vento. Moramos em Minas em uma região que tem subidas com até 30% de angulação em algumas trilhas. Achávamos que estaríamos preparados fisicamente pro terreno uruguaio mas lá descobriríamos que a força do vento às vezes pode ser mais forte que a força da gravidade. Tiveram dois dias que o vento era tão forte que nos jogava pra fora da estrada. Em um desses dias demoramos quase 4 horas pra pedalar 20km.
Mas são os lugares e as pessoas que conhecemos que nos fazem esquecer do vento. Em qualquer lugar que chegávamos de bicicleta já éramos muito bem recebidos. Quando viam a Maya no trailer, mais ainda. Os cicloturistas que cruzaram nossos caminhos, o gaúcho que cuidava do camping, o pescador que fez nossa travessia em Laguna de Rocha, a tia da padaria, o rasta da praia, todos nos fizeram ver que menos é mais. Os lugares que não saem das nossas mentes são aqueles onde nossos corações ainda estão. E ver Maya descobrindo a vida, a razão porque saímos de casa. Gracias Uruguay!
Nosso diário de bordo completo está no nosso blog. Lá dividimos a viagem em 10 capítulos. Dá pra ler tudo nowww.bicicli.co e também dá pra acompanhar as preparações pelo instagram @bicicli.co
As próximas aventuras, que já estamos planejando, ganharam um espaço aqui no Bike é Legal e vocês poderão acompanhar tudo por aqui mesmo!
Nos vemos na estrada.