Mulheres ciclistas falam sobre a bicicleta em suas vidas
No Dia Internacional da Mulher, uma matéria especial dá voz as minas que andam de bike pela cidade de São Paulo e discute os desafios para que mais mulheres pedalem.
Em 2017, o Dia Internacional da Mulher chega a sua 100ª comemoração desde a greve das tecelãs de São Petersburgo, na Rússia, quando a data ficou marcada pela luta feminista. De lá para cá, muitas conquistas pela igualdade de gênero aconteceram, mas o caminho ainda é longo, e buscar ferramentas de libertação é essencial para que a independência feminina seja cada vez maior.
A bicicleta é com certeza uma dessas ferramentas; ela possibilita uma locomoção individual, feita a partir da nossa própria energia. Desde que comecei a usar a bicicleta como meio de transporte, vejo não apenas os meus deslocamentos se tornarem mais independente, bem como outras esferas da minha vida que acabam por refletir a autonomia conquistada em cima da magrela.
Para falar da importância da bicicleta na emancipação da mulher, o Bike é Legal reuniu relatos de diversas ciclistas que ao longo de suas trajetórias tiveram a bike aliada a conquistas de liberdade.
Aline Cavalcante é uma das idealizadoras do coletivo de mulheres ciclistas Pedalinas:
“Andar de bicicleta me proporcionou a melhor das descobertas do mundo, me conectou com o melhor de mim. A energia e o esforço físico junto com o trabalho de respiração, alongamentos e observação da paisagem fortaleceram essa sensação maravilhosa de viver o presente, contemplar meu corpo, minha saúde, minha mente, a natureza, pensar sobre a vida e comprovar que sou capaz de ir aonde eu quiser.
Isso é muito louco, você descobrir que ‘só’ seu esforço físico é capaz de te levar onde você quiser ir, no seu tempo, do seu jeito. É único! A bike já me trouxe milhares de ótimas histórias pra contar, centenas de amigos incríveis, viagens inesquecíveis, mas de todas as coisas maravilhosas que ela me proporcionou certamente a autonomia, liberdade e autoconhecimento são as mais importantes pra mim e que carregarei pra sempre enquanto existir nesse mundo.”
Juliana Hirata é bióloga e está viajando sozinha de bike pelo Continente Americano há mais de seis meses:
“Se aventurar, viajar, praticar esportes são atividades que empoderam, libertam, melhoram a auto estima e promovem o autoconhecimento e por essas razões teme-se tanto que mulheres façam isso, principalmente sozinhas.”
Beatriz Ferragi é atleta de Mountain Bike Downhill e Enduro:
“Para mim que sou atleta, a bicicleta já era esperada na minha rotina, certo?. Na verdade não. Sou exceção entre as meninas que competem comigo. Enquanto elas escolhem pelo treino específico (na montanha), por razões da cidade onde moro e da minha facilidade de deslocamento com a bike, ela foi escolhida como meio de transporte para mim. Fico numa relação de “ganho-ganho” : não passo stress, não pego trânsito, otimizo o meu tempo de treino, conseguindo assim conciliar com meus horários de trabalho: pois este seria efetivamente um tempo perdido, com o corpo em inércia, dentro de um carro no trânsito. Como mulher, tenho, claro, mais medo de ser vítima de assaltos ou assédios pedalando por aí, mas… me preparo para estar pronta para o que der e vier, e o medo nunca abalará a minha vontade de ser uma cidadã de deslocamento livre, sem amarras, pela cidade que tanto amo.”
Julia Guadagnucci é estudante de jornalismo:
“A bicicleta é minha revolução diária. Ela quebra as barreiras do espaço público, negado às mulheres, e ocupa as ruas e avenidas da cidade resgatando o espaço dos indivíduos, se colocando entre máquinas e motores que atordoam a cidade com a sua agressividade. Liberdade, autoexpressão e autonomia. Uma mulher no pedal é uma mulher guerreira que enfrenta o medo e ocupa o seu lugar.”
Marina Harkot é representante do GT de Gênero da Ciclocidade:
“A participação das mulheres e o fomento à sua atuação política é questão essencial para o amadurecimento do cicloativismo, com lugares que sejam convidativos para família e que convidem as mulheres a participarem ativamente, como protagonistas de todos os assuntos – e não só “de assuntos de mulher”.
Fernanda Campagnucci é Analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental da Prefeitura de São Paulo:
Em 2011, encarei a minha primeira tentativa de me locomover de bicicleta na cidade. Encontrei com um grupo de mulheres que pedalam e se apoiam (as “Pedalinas”), e vi que era possível. Mas a cidade ainda não contava com sua malha cicloviária, e o ambiente hostil me afastou da ideia definitivamente, até 2013. Com as ciclovias, voltei a me animar com a ideia. De minha rua, no Campos Elíseos/Bom Retiro, até meu trabalho, no Centro, havia um caminho de apenas 3 km, 100% ciclovia. A bicicleta me fazia sentir mais segura para transitar no local, sobretudo à noite (estamos falando de atravessar a região da chamada Cracolândia). Houve situações em que me senti ameaçada, mas bastava pedalar mais rápido, ou desviar o caminho. A pé isso definitivamente não é possível.
Hoje me mudei para perto do trabalho, voltei a ser majoritariamente pedestre. A bicicleta uso de vez em quando – por exemplo, da Zona Sul à Zona Norte, onde vou visitar meus pais. Claro que há muito por ser feito ainda, sobretudo para que mais mulheres possam usufruir dessa experiência. O assédio é constante, as ameaças de motoristas, também. Às vezes tenho a impressão de que estar em cima de uma bicicleta, por si só, é uma postura desafiadora que gera reação. Uma vez, enquanto estava pedalando rumo ao trabalho, usando um vestido, às 9h da manhã, ouvi um grito meio sem sentido, que demorei a decodificar: “andando de vestido, a essa hora”? Sim, a hora é agora, pensei. Na verdade, já demorou demais.”
Ana Carolina é jornalista e representante da Associação Cidadeapé:
“Nós somos mais caminhando pela cidade, desde a infância até a velhice. O que não nos garante, entretanto, qualquer conforto ou segurança ao andar. Além de termos que enfrentar a total deficiência das estruturas destinadas à mobilidade a pé — calçadas esburacadas, escadarias mal iluminadas, travessias inadequadas — e o risco de sermos atropeladas, ainda lidamos com o medo do assédio na rua. O que para muitos homens parece inofensivo, na verdade é uma das principais razões para que nós evitemos nos deslocar pela cidade. Neste 8 de Março, troco a flor pelo direito de andar na rua sem medo da violência de gênero.”
Na videorreportagem abaixo, você confere a matéria especial de Renata Falzoni com outras duas ciclistas que encaram a cidade de São Paulo em cima da bicicleta: