Caminho da Fé: Desafio Azul, do zero a Aparecida
Fui chamado no prédio da Azul Linhas Aéreas em Barueri para conversar sobre uma ideia que o CIO Kleber Linhares teve pedalando um dia desses na Ciclocapivara , ele é um dos executivos que está na empresa desde o dia um, e o seu time completa, em 2018, dez anos juntos. Na sala dele, com o Robson Costa ao lado, me explicou que entre idas e vindas de membros da equipe, ele precisava de uma cola nova, que o time precisava sentir, viver e acreditar em todas as situações internas, seja de metas, relacionamentos ou motivação.

Caminho da Fé/ © Divulgação
Ele decidiu que levaria 14 pessoas do time de T.I para o Caminho da Fé. Eu não tinha certeza se ele sabia do tamanho da dificuldade que é esse trajeto, que serpenteia entre Minas Gerais e São Paulo, e é conhecido por suas montanhas sem fim, paisagens lindas e pelo desapego de tudo que não for importante.
Toda equipe têm o perfil corporativo; corrida era atrás de metas, peso só das obrigações, dedicação em tempo integral ao trabalho e o cuidado pessoal sempre em segundo plano. Mas, quando ele olhou firme e falou que estava comprometido com esse projeto, eu entendi que o propósito que o movia era suficiente para eu ser o número um a acreditar.
Primeiro passo seria entender o estado físico de cada um, saber quais equipamentos tinham e procurar uma rota que coubesse na agenda e fosse viável. Os integrantes foram chamados um a um na sala e convocados para o desafio, nenhum deles sequer titubeou com a resposta, todos saíram fazendo parte e com muitas questões na cabeça; um quebra cabeça de muitas peças ainda desmontado.

Caminho da Fé/ © Divulgação
Como todo grupo que se forma nos dias de hoje, fomos parar no whatsapp, e comecei a receber as fotos das bicicletas que alguns tinham, porque outros nem pedalavam. Chegaram fotos de bicicletas com cadeira de criança, cestinhas e até sem marcha. Iríamos precisar de equipamento adequado para todos. Quanto a questão física, fizemos exames iniciais em todos com nutricionista acompanhando.
Precisava ensina-los a girar, não adiantava coloca-los em trilhas logo no começo, pois o risco de uma queda seria grande. Decidimos ir para o ciclismo indoor na Power Cycle e fazer com que o time fosse aprendendo técnicas de cadência, força, medição da potência por quilo individual, além de estabelecer metas e ganhar condicionamento. Todas as dúvidas daquele mundo novo vinham a cada encontro; como ajustar as medidas, a estranheza das roupas colantes de ciclismo, será que vou me adaptar a sapatilha, pedalo leve ou pesado, preciso usar esse cap de ciclismo ridículo que você usa e por ai vai.
Foram dois meses indoor, até a primeira saída para a terra. Procuramos uma trilha tradicional perto de São Paulo, o Limoeiro no caso, e lá sentiram a diferença da sala com tudo controlado. Agora havia o calor, frio, falta de água, subidas com pedras e desafio real de chegar pedalando e vivos. Sofreram, empurraram, ficaram esgotados e decidiram treinar mais ainda.
O grupo procurava novas formas de melhorar; acordavam de madrugada, treinavam sozinhos e buscavam mais e mais informações. Sempre acreditei que não existe lição maior de planejamento, organização, metas, resiliência, convívio e respeito com pessoas que uma cicloviagem. São essas lições vividas na vida real que fazem você crescer em todos os campos e o Kleber sempre citava para o grupo: “ Quem bate meta pessoal na vida profissional chega onde quiser.”, e eles queria estar dia 05 com o certificado na mão em Aparecida.
O planejamento foi cheio de dúvidas e discussões. Afinal, eles são responsáveis pela segurança de muitos passageiros todos os dias, tem um cuidado minucioso, planos de contingência para todas as situações, tudo programado e treinado. E agora estavam se jogando num terreno de variáveis incontroláveis, eles precisavam de um plano detalhado para tudo que pudesse acontecer, mesmo que fosse apenas para ter aquela sensação de controle.
Foi com a palavra chave ‘segurança’ que cada etapa foi diversas vezes analisada. Uma série de patrocinadores quiseram apoiar o projeto, que ficou muito maior durante o caminho. Os recursos aumentaram e as responsabilidades também. Na empresa só se falava nisso, onde os participantes passavam a conversa era só sobre o Desafio Azul, e a energia em torno aumentou.
Todos seguindo com a vida familiar, profissional e compromissos sociais, e dentro dessa vida já corrida, tiveram que achar um espaço para se dedicar aos treinos, que exigiam e ficavam mais duros. O desempenho geral em todas as áreas só crescia, aquela primeira decisão de acreditar já começava um processo de mudança em todos eles. Na avaliação final, os resultados dos três meses de dedicação apareceram. Aumentaram massa magra, diminuíram gordura corporal, colesterol foi lá pra baixo, emagreceram e estavam felizes acima de tudo; mérito absoluto deles.
No dia 31 de Agosto, com bicicletas e uniformes prontos para seguir para Ouro Fino, o desejo de começar o Caminho da Fé estava nos olhos de todos e aquela mistura de ansiedade e preocupação gerava o questionamento se estavámos realmente prontos. Mas não era mais tempo de questionar, era hora de começar.
Dia 01: Ouro Fino a Tocos de Mogi
Foto no marco inicial com o Menino da Porteira e começamos. A trecho até o Bar do Maurão, onde pegamos a credencial, é um dos mais gentis do trajeto; uma reta suave de quase 10 km, que enganam como será o primeiro dia. Entre subidas e descidas, recebemos o primeiro cartão de visita, que é a ladeira da Porteira do Céu, uma longa escalada as nuvens, com direito a um banco famoso por recuperar os batimentos cardíacos dos ciclistas. Esta foi a primeira e última vez em todo trajeto, que um dos ciclistas precisou de apoio.
Na chegada em Tocos, na pousada do Zé Dito, uma mesa com morangos nos aguardava. Era palpável a exaustão e a felicidade dos pensamentos de que seriam mais quatro dias assim, e o orgulho de ter completado e batido mais um carimbo dava a certeza de que não teríamos dia fácil.
Dia 02: Tocos de Mogi a Consolação
Umas das certezas é que ficamos mais fortes durante o caminho. Nossas mente e corpos chegaram a um acordo e as subidas sem fim passaram a ser aceitáveis, começamos a apreciar a beleza do caminho e olhar para dentro. Tivemos três boas subidas, com a famosa Serra do Caçador nos recebendo com quase 30 graus, subidas de terra e bloquetes se intercalam em curvas infinitas, um cachorro se juntou ao grupo e recebeu o nome de Garmin, ganhou banho, ração e ficou na nossa pousada. Almoçamos, lavamos as roupas e descansamos na praça central.
Dia 03: Consolação a Brasópolis
Não sei se nos adaptamos, mas passamos a sofrer menos e pedalar passou a ser automático. As pernas estavam mais pesadas, mas também mais firmes sobre onde precisávamos ir. O cachorro continuou nos acompanhando (só parava de chorar quando podia ir ao nosso lado) e a delícia do dia foi a descida até o pé da Luminosa, o grupo chegou radiante. Aumentamos a música, acendemos a churrasqueira e todos os medos da temida Luminosa. Eu sempre olho para aquela imensa montanha e faço uma reverência, é um dos lugares que a paz ainda existe, entre o verde, o silêncio e as bananas da Dona Inês.
Dia 04: Brasópolis a Campos do Jordão
Choveu muito na tarde anterior e iniciamos a subida com tempo frio, mas com terreno bom. Começa suave e a inclinação vai crescendo, aumentam as pedras, buracos e cavalos e vacas aparecem pelo caminho. São 12 km de pedala; empurra e reza entre as montanhas, tempo de paciência, humildade e acertos internos. Vislumbrar a placa que indica a divisa de Campos é ser tomado por várias emoções: euforia, cansaço, sentimento de invencibilidade, frio, agradecimento; os olhos ficam marejados.
Mas, o dia não havia acabado ainda e tinha muita subida pela frente até chegarmos a cidade de Campos do Jordão. O cachorro Garmin seguia conosco e é bem provável que venha morar em São Paulo, o Starling e Dorico são os pais, e todos nós viramos padrinhos. Chegamos com a temperatura muito baixa e uma fome monstruosa. Banho, almoço, chocolates e mais um membro, que deveria estar desde o início, se juntou a nós; ele tinha um encontro com a Sala dos Milagres.
Dia 05: Campos do Jordão a Aparecida
Um frio de 4 graus e a dúvida de qual roteiro fazer, Pinda ou Pedrinhas. Eu sempre escolho o mais bonito, apesar de as vezes não ser o mais fácil; iríamos subir novamente. Foram quase 10 km sem parar, dois mirantes (Pau Arcado e São José dos Alpes) e chegamos a temível descida com valas e muitas pedras soltas. As mãos queimaram de tanto usar os freios, a respiração falhou e chegamos a uma visão sensacional das montanhas.
Paramos na metade do caminho, no Restaurante O Tão do Gomeral, e fomos recebidos com o sorriso largo do casal e seu labrador. Sentimos o sabor do acolhimento. Partimos para os últimos 30 km com a vontade de chegar logo, mas com a nostalgia do fim. As pernas aceleravam e o coração começava a se agitar.

Caminho da Fé/ © Divulgação
O último quilômetro para chegar a Aparecida é aquele que você solta as pernas, encosta na pessoa ao lado e sabe que essa vivência e cumplicidade são para sempre. Paramos em frente à Catedral, sensação de dever cumprido, sim, nós chegamos. Aquele projeto de oito meses estava consolidado naquele instante. O choro vem tímido e toma conta, abraços apertados, orgulho de ter feito parte dessa história, lembrança desses cinco dias intensos e de que esse time já tem lugar naquele espaço dos inesquecíveis.
O Kleber, com seus 125kgs e seu jeito de criança que está sempre aprontando, falou: “Ricardo, se alguém falar que você não irá conseguir, apenas continue. Ninguém te conhece tão bem quanto você mesmo. Nós chegamos porrrr@.” Agradecimento na igreja, certificado na mão e seres humanos e profissionais muito melhores que cinco dias atrás. O cachorro Garmin foi adotado, já fez exames e passa muito bem. As bicicletas já saíram da revisão e estão prontas, e meu telefone já me avisa que eles querem voltar para a trilha. Obrigado Azul, levo comigo 14 pessoas para sempre e uma história guardada no coração.