Treinos, autoconhecimento e escolhas: conheça a trajetória de Marcella Toldi no ciclismo de estrada
Fui convidado a conversar com a atleta da Cannondale Marcella Toldi, ou Mati para os mais próximos. Fiquei ansioso para conhecer mais da história da menina (34) que nasceu dentro de uma família em que o esporte faz parte da rotina, tendo a fazenda do avô nas montanhas de São Bento do Sapucaí como cenário das primeiras e despretensiosas aventuras.

Marcella Toldi no pelotão/ © Reprodução
Chegando na Power Cycle – academia de ciclismo indoor localizada em São Paulo -, avistei Marcella sentada tranquila; ela levantou com um sorriso largo e o brilho nos olhos de quem encontrou seu propósito nessa vida. Pelo porte esguio e magro, ela poderia ter escolhido competir outros esportes que não o ciclismo.
Como tudo começou.
Da mesma forma que todas as crianças que nasceram na época em que se podia brincar além do portão de casa, correr e pedalar eram as atividades das horas vagas. E ainda que sem nenhuma pretensão esportiva, haviam os olhares atentos da família.
Em São Paulo, devidamente matriculada em um clube, inscreveu-se simplesmente em todas as modalidades que podia. A natação foi o esporte em que competiu até os 12 anos de idade, quando sentiu necessidade de mudanças.
Encontrou aos 17 anos sua nova turma na corrida de aventura, fazendo as provas em equipe e já encaixando algumas etapas de mountain bike nas folgas disponíveis. Fazia as contas no calendário para encaixar tudo que queria.
Dentro das provas de aventura, que exigem um esforço no limite físico, Marcella foi moldada desde cedo para alta performance por sua mentora Cris Carvalho, que incentivou seu desempenho e rendimento; despertando esse espírito competitivo de buscar sempre o máximo. Cris trabalhou com a atleta o conceito do ‘mindset’, que busca sempre o crescimento e o máximo esforço para se aprimorar através de atitudes mentais.
Outros Caminhos

Pódio GFNY 2016/ © Reprodução
Entre as atividades esportivas, a vida acadêmica a formou em administração de empresas. Marcella encarou uma carreira corporativa de sucesso, foi convidada a trabalhar e morar em Londres por um bom tempo; foi quando os treinos passaram para segundo plano. O cinza da cidade começou tomar conta do espírito de Marcella, que já não se sentia feliz e não enxergava sentido nenhum em continuar.
A difícil decisão de mudar e escolher entre largar tudo ou manter-se no que muitos classificam como vida de sucesso foi difícil. Mas, com o apoio da família, Mati resolveu ouvir seu chamado e voltou para o Brasil. Trabalhou em uma ou outra empresa. Treinou muito. E na primeira prova de ciclismo que competiu subiu ao pódio, levou pra casa o troféu e a certeza de um caminho a seguir.
As Lulus

Equipe Lulu Five/ © Reprodução
O ciclismo hoje vem crescendo, seja através da mobilidade ou pelo esporte. Outro grande movimento é o das mulheres buscando seu espaço, deixando seus receios, ficando muito mais confiantes e ganhando força e volume também no universo do ciclismo. Ainda que sejam menos numerosos em relação ao número total de homens nessa pratica, o crescimento é imenso.
Dentro desse cenário, Gisele Gasparotto convidou Marcella Toldi para fazer parte de um clube de ciclismo exclusivamente feminino. A Lulu 5 (Lulu Five) acompanham treinos de mulheres, estejam elas começando no pedal ou querendo subir no pódio.
O objetivo principal vai além dos resultados, Marcella explica: ” Nosso papel principal é tocar a vida de outras mulheres através do esporte”. O crescimento na autoestima, a confiança, a sensação de poder e ser feliz são as bases dos clubes de ciclismo feminino que surgem por todo Brasil.
E elas querem ir mais longe. Começaram recentemente um treino na USP para acolher todos os grupos de mulheres que queiram sentir o poder que o esporte, a bicicleta e a união traz.
A Equipe Cylance
Marcella foi convidada para correr por três meses na Europa, e seu nível no ciclismo passou para outra fase. Vivenciando o dia a dia de treinos pesados, ela buscou entender as diferenças entre os mundos do amadorismo e do ciclismo profissional. Mati colocava os dois pés no profissional, onde cada detalhe é cuidadosamente estudado.
Passou a se conhecer melhor, seu mapa metabólico apontava onde estavam as deficiências a serem trabalhadas. As inovações em treinamentos, convivência com as melhores do mundo fizeram toda a diferença nesse processo evolutivo.

Marcella Toldi na Power Cycle/ © Divulgação
Nessa temporada de volta ao Brasil, foi buscar algum lugar onde pudesse desenvolver as capacidades adquiridas nos treinos feito fora do país, e encontrou na academia de ciclismo indoor um excelente centro de treinamento.
O que aprendi através do esporte
“Temos que nos entregar de corpo e alma, independente do que aconteça, ganhando ou não. Ambos tem pontos positivos e mensagens importantes, que apresentam lições sobre aproveitar todo o parendizado que cada resultado traz. Existe um lado naquele resultado que não era o que queríamos, e é tão bonito quanto; precisamos conseguir absorver a plenitude de toda experiência que vivemos”.
O que eu vi na Marcella

Ao lado da atleta Marcella Toldi/ © Divulgação
Mati ou Marcella é além de uma excelente atleta. Ela é humana, acessível e carrega no braço uma oração; que é objeto de sustentação em vários momentos em que o limite já havia ficado para trás. Tem consciência do seu papel e está abrindo a porta para que novas gerações encontrem uma estrutura e um caminho muito melhor, seja ele como atleta ou puramente como mulher.
Apesar dos resultados pessoais expressivos, coloca tudo na conta do treinamento e não esquece os nomes que a acompanham nesta jornada. Fala sempre no coletivo, não tem a vaidade obsessiva de alguns atletas; o que me fez ter uma empatia sincera pela talentosa ciclista. Gosto mais ainda da menina que pedala com o mesmo brilho nos olhos de quando nadava no rio da fazenda de seu avô em Sapucaí.