Rota Márcia Prado: Novo Projeto de Lei busca efetivar descida para Santos de bike
Foi aprovado há poucos dias atrás, pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o Projeto de Lei Nº 569/2017, de autoria do Deputado David Zaia, que “Institui a Rota Cicloturística “Márcia Prado”, ligando São Paulo à Baixada Santista. Referido PL teve sua aprovação pela unanimidade dos deputados estaduais e é fruto de um intenso trabalho de várias pessoas visando não apenas homenagear Márcia Prado, mas resgatar a dignidade do movimento ciclístico que se expande e está na ordem do dia.
Este PL é resultado de um processo de luta social, tal qual inúmeros outros movimentos que se formaram ao longo dos tempos e resultaram em leis afirmativas. Cite-se a este respeito, por exemplo, apenas aqui no Brasil, sem desprezar outros exemplos mundiais, a luta pela anistia durante a ditadura militar; a batalha das “Diretas Já”; o movimento contra a carestia que resultou no Código de Defesa do Consumidor; as manifestações do 1º de maio que colocaram por terra a proibição de greve e a criminalização das – até então proibido pela ditadura militar; a liberdade sindical na Constituição Federal de 1988, dentre outros.
Nesta semana, somos informados por órgãos do Governo do Estado que, depois de várias reuniões na SMA – Secretaria de Estado do Meio Ambiente, vislumbra-se um acordo com a Ecovias – empresa que administra o sistema Anchieta-Imigrantes e discute-se um projeto de construção de uma ciclovia do km 38 ao 45 da Rodovia Imigrantes interligando esta rodovia com a Estrada da Manutenção e isso permitirá ao ciclista chegar até a baixada santista, diminuindo sensivelmente os riscos até então existentes e a proibição da descida da serra de bicicleta.
Há notícias também de que no dia 02/12/2018 poderá ocorrer o fechamento parcial da Rodovia Anchieta na parte da manhã, para permitir aos ciclistas descerem a rodovia Anchieta até Santos. Porém, os ciclistas não querem poder descer para Santos apenas em um determinado dia no mês de dezembro, mas sim todos os dias conforme está previsto no artigo 5º, XV, da Constituição Federal e no artigo 58 do CTB, por medida de direito e justiça. Esta proposta de iniciativa legal que hoje se torna uma realidade, depende apenas da sanção do Governador e publicação no Diário Oficial para que vire uma realidade.
A Rota Márcia Prado e uma luta de muitos anos
A rota, já existente e oficializada através da Lei Municipal 15.094/2010 e regulamentada pelo Decreto 51.622/2010, passa pela Ilha do Bororé através de duas balsas e segue pela Estrada de Manutenção da Rodovia dos Imigrantes – também conhecida como Estrada de Serviço da Dersa -, que é uma pequena estrada, na maior parte de sua extensão, fechada ao trânsito de veículos, que serpenteia acompanhando de perto os traçados da Rodovia dos Imigrantes (SP-160) e da Rodovia Anchieta (SP-150). A Estrada de Manutenção desce a serra cortando por dentro o Parque Estadual da Serra do Mar. O percurso é inspirado no trajeto da viagem que a ciclista Márcia Prado realizou em vida.
O PL mostra que esta luta não é de hoje. Tudo começou em 2009, quando o Instituto CicloBR realizou um evento teste, sinalizando todo o trajeto, desde o bairro do Grajaú (Zona Sul de São Paulo) até a cidade de Santos, objetivando demonstrar tanto a viabilidade quanto o potencial do caminho. Nesse evento, mais de mil ciclistas saíram de São Paulo e chegaram ao litoral sul do Estado, tornando então, um encontro anual de ciclistas de todo o Brasil, com a participação de 2.789, numero que aumentou em 2012 para mais de 9.500 ciclistas que passaram pelo posto de controle do Instituto Florestal.
Mas desde então, por falta de apoio do Governo e diante da intransigência pontual da Ecovias, esta Rota caiu na clandestinidade, resultando em diversas ações de interditos proibitórios, medida judicial na qual cabe um pedido de liminar, sob a alegação de turbação a posse e esbulho, justificativas utilizadas pelos advogados da Ecovias e reiteradamente aceito pelo judiciário. O estopim da crise aconteceu em dezembro de 2017 quando por volta de 7 mil ciclistas foram recebidos pela Policia Militar com bombas de gás lacrimogêneo e jatos d´agua na via Anchieta e impedidos de descer até a baixada santista.
Lei Feldman
Diante deste quadro que coloca a mobilidade ciclística na ordem do dia, veio em muito boa hora a aprovação deste PL 569/2017 que faz renascer uma luz no fim do túnel do Projeto Cicloviário Estadual até hoje esquecido nas gavetas do Palácio dos Bandeirantes e nos escaninhos da ARTESP, já que até presente data, não regulamentaram ainda a Lei Feldman (Lei 10095, publicada em 26.11.1998).
Esta Lei 10.095/98 – assim intitulada em face de seu propositor da época se chamar Deputado Walter Feldman, embora aprovada há quase 10 anos, até hoje não foi regulamentada, embora o artigo 18 da mesma determinasse que ela deveria ser regulamentada em 180 dias.
Ela disciplina o “Plano Cicloviário do Estado” estabelecendo dentre os objetivos desta iniciativa legal, que o Estado deveria: I – introduzir critérios de planejamento para implantação de ciclovias ou ciclo-faixas em rodovias e nos terrenos marginais às linhas férreas; II – compatibilizar e promover a circulação intermunicipal; III – facilitar a circulação nos espaços habitáveis e áreas adjacentes ou circundantes; IV – conscientizar a população sobre o uso conjunto e a circulação por trechos de estradas de tráfego compartilhado; V – promover a integração dos transportes terrestres; VI – introduzir medidas de segurança de circulação; VII – reduzir a poluição ambiental e minimizar seus efeitos negativos.
Mas isso até hoje não saiu do papel.
Houvesse o Governo já regulamentado esta lei, já teriam talvez sido “implantadas ciclovias ou ciclo-faixas nos terrenos marginais às linhas férreas”, a saber: I – em trechos urbanos; II – em trechos de interesse turístico; III – em trechos de acesso a instalações industriais, comerciais e institucionais” e ainda “Todos os projetos de obras públicas de transposição de obstáculos, naturais ou artificiais, deverão incluir ciclovia ou ciclofaixa”.
Sem desprezar a legislação federal vigente (leia-se o artigo 58 do CTB, Lei 9.307) A Lei Feldman, prevê também que deveria ser colocada sinalização especifica ao longo das ciclovias e ciclo-faixas; que o Governo deveria proibir a circulação de veículos de propulsão humana em locais considerados perigosos por não se adequarem às normas técnicas de segurança, mas não disse quais, devendo o Decreto regulamentar faze-lo.
Definiu a lei que o DER teria de apresentar “anualmente, relatório de estatística de acidentes pessoais, com morte ou lesões corporais, bem como dos danos patrimoniais” dos ciclistas; determina a realização de campanhas educativas, “tendo por público alvo pedestres e condutores de veículos, motorizados ou não, visando divulgar o uso adequado de espaços físicos compartilhados”; que a passagem de ciclistas e pedestres pelos postos de pedágio deverá ter área própria e de circulação segura, sendo “expressamente vedada a cobrança de taxa de pedágio aos ciclistas”.
Seria o melhor dos mundos. Mas nem tudo é perfeito haja vista que, repita-se, quase 10 anos depois ela ainda não foi regulamentada. E assim a Ecovias continuou fazendo o que quis…
Porque Márcia Prado
A história de vida da Márcia Regina de Andrade Prado que faleceu no dia 14 de janeiro de 2009 ao ser atropelada por um ônibus enquanto pedalava na Avenida Paulista, em São Paulo, também foi lembrada no texto do PL 569/17. Ela era massagista e figura recorrente nas bicicletadas de São Paulo, fazendo parte do movimento horizontal e sem líderes formais denominado MASSA CRÍTICA.
A escolha de seu nome se deu porque ela era uma ciclista que participava ativamente das discussões para melhoria da mobilidade urbana por bicicleta, veiculo de propulsão humana que está intimamente ligada também a implementação do turismo sustentável na região, que tem bolsões carentes de moradia e um comercio voltado quase que exclusivamente para o turismo.
Para além da justa homenagem, a regulamentação da rota cicloturística busca desenvolver, de forma sustentável, o turismo na região. A proposição impulsiona a educação ambiental e incentiva a organização das comunidades locais relacionadas ao turismo, artesanato e geração de novas fontes de emprego e renda. Além, é claro, do reconhecimento do importante papel da bicicleta como veículo de mobilidade.