Feito com Amor: As cicloviagens que humanizam
Em busca de aventura sobre duas rodas, sempre encontro pessoas apaixonadas pelo que fazem e por quem ajudam.
Nos momentos de pensamento e reflexão procuro encontrar as sinapses nas mudanças comportamentais que vivemos, entender as novas atitudes, hábitos e o surgimento de novas tendências.

Com o casal Maristela e Martin/ © Arquivo pessoal
Vivemos com o avanço tecnológico tomando conta do nosso dia a dia, tudo é digital, veloz e instantâneo. Passamos mais tempo em contato com nossos aparelhos eletrônicos, celulares, computadores, aplicativos, realidade virtual, do que em conversas com outras pessoas.
Não sou um saudosista, aliás adoro essa praticidade e acredito que todos as gerações anteriores tiveram seus vilões, o jornal, a televisão, o videogame que deixava o usuário míope e de olho quadrado, enfim toda mudança causa estranheza e é vista com muita desconfiança.
O que me despertou o interesse é que naturalmente buscamos o equilíbrio, se algo nos leva para um extremo, sentimos falta do outro lado para nos mantermos bem, e hoje vejo isso através da busca pelo humano.
Os alimentos orgânicos, a procedência de como são cultivados, o ganho de força dos produtos artesanais, é mais que só o consumo do produto, e sim a busca pelo que existe de energia humana nele.
Para nós ciclistas é quase que natural isso, gostamos das paisagens, paramos para conversar e distribuímos sorrisos por aí. Foi pensando nesse sentido que sai de São Paulo e segui para a cidade de Itapetininga, a 160km da capital, para conhecer a Fazenda Santa Luzia, que produz queijos artesanais de ótima qualidade.
Manhã chuvosa, chego ao local as 9:00 da manhã, sou recebido pela proprietária e poliglota Maristela, que olha a chuva e minha bicicleta, me dá um bom dia e fala:
– Tem louco pra tudo nesse mundo.
É perceptível como o contato com a natureza transforma, existe o cuidado com o outro, expliquei que queria fazer uma rota de bicicleta no local, ela perguntou se eu queria comer ou beber algo e chamou o alemão Martin, seu marido. Ele parou sua produção e ficamos quase duas horas conversando.
Quando vou conhecer algum lugar sempre quero entender a história da vida das pessoas, o Martin é um dos filhos de um industrial alemão, que sempre sonhou em voltar a trabalhar com a terra. Semanalmente tinham o programa de procurar fazendas, e essa terra é fruto desses dias.
Ele foi o único filho que se manteve na produção, e é um dos pioneiros nessa onda de queijo artesanal de qualidade, se diz um anarquista, que acredita muito mais na ética que em selos. Trocamos ideias e ele me indicou uma rota até Sarapuí e como voltar, quase 40 km de mountain bike.

Rota até Sarapuí/ © Arquivo pessoal
A rota saindo da fazenda faz você cruzar a cidade paralelamente a Raposo Tavares, percorrendo 500 metros da rodovia e entrando em outra estrada de terra que segue praticamente em uma reta até Sarapuí.
A chuva caía fina, a terra molhada, o cheiro do verde e aquele silêncio que nós adoramos ouvir e que só o mountain bike nos proporciona. O relevo é generoso, variando entre subidas e descidas leves, passando pelo pasto de búfalos; encontrei carneiros na estrada e uma vasta floresta de eucaliptos e seus longos troncos em sequência criando um belo visual.
Voltei após duas horas, com lama da ponta do nariz – que não é dos menores – até a sola da sapatilha, o casal, sem que eu falasse nada, me colocou dentro do chuveiro, com sabonete, toalha e com a ordem que eu só saísse limpo de lá de dentro.

A cozinha de Maristela e Martin/ © Arquivo pessoal
Do lado de fora, o fogão a lenha aquecia o local e as bolachas com queijo feitas na hora, um tacho de cobre fazendo doce de leite, e mesmo sendo intolerante a lactose, não resisti e provei alguns dos queijos produzidos na fazenda.
São esses lugares com alma, com produtos feitos com cuidado e onde a história das pessoas é o ingrediente principal da receita, são os que busco para me conectar mais de perto com o lado humano ainda não industrializado.
E para os ciclistas a Rota do Queijo é uma opção deliciosa no sentido literal, para girar em um lugar lindo de bicicleta e conhecer essa maravilha.