Bikes estragam pistas de skate? Entenda a polêmica que divide praticantes
Com o objetivo de acabar com o preconceito e a discriminação entre os esportes, esses espaços começam a ser chamados de Pistas de Esportes Radicais.
“Não pode andar de bicicleta nessa pista”. Quantos ciclistas já ouviram essa frase? Os praticantes de BMX, então, nem se fala. Um vídeo recentemente postado pelo pessoal da Role Crew trouxe à tona uma discussão antiga: o compartilhamento das pistas públicas de esportes radicais. O Bike é Legal foi atrás de especialistas no assunto para esclarecer os receios que tantos atletas têm em dividir esses espaços com praticantes de outras modalidades.

Shimano Feste 2014/ © Arquivo Bike é Legal
O vídeo (assista ao final da matéria) postado pelo canal de BMX mostra o retorno dos ciclistas à pista de skate de Santana de Parnaíba-SP. Ao chegarem no local, alguns skatistas ainda insistiram em não permitir a entrada dos ciclistas, mas com a liminar judicial autorizando o uso também por bicicletas em mãos, o bmxers pedalaram na estrutura.
Quando a pista foi inaugurada, em maio do ano passado, eles foram recebidos com hostilidade pelos skatistas, e depois de muito discussão, a polícia chegou ao local e proibiu os ciclistas de usarem a estrutura. Na ocasião, o Role Crew também postou um vídeo mostrando a reação dos skatistas.

Placa de proibição na pista de Santana de Paranaíba-SP/ © Reprodução
De lá para cá, os ciclistas conseguiram uma liminar que autoriza o uso da pista também com bicicletas. Só que o mais curioso dessa história é que a Prefeitura de Santana de Parnaíba diz que a pista nunca foi realmente proibida para ciclistas, ainda que no local uma placa com o logo da própria prefeitura indique a proibição da entrada de bicicletas. Tudo muito estranho, não é mesmo?
Essa estranheza toda escancara uma rixa que ainda existe entre os esportes, e uma falha do poder público na hora de elaborar projetos como esse, que devem ser um fomento à prática de diferentes esportes radicais e um espaço de promoção da cidadania.
“Mas a bike estraga a pista”. Será?
Utilizado como parte do processo para conseguir a liminar que autorizou o uso por ciclistas da pista de Santana de Parnaíba, o parecer técnico de Pistas Street Park da Confederação Brasileira de Esportes Radicais especifica os tipos de prejuízo que skates e bikes causam nas estruturas com o passar do tempo.

Parecer da C.B.E.R./ © Reprodução
“Ambas as modalidades são esportes de impacto, e com o uso desgastam o material da pista. A manutenção desses espaços sempre será necessária, mas é claro que se as pistas forem feitas com material de qualidade esse desgaste é menor e mais lento. Acontece que as construtoras querem baratear a obra utilizando materiais de menor qualidade”, explica Renato Paiva, autor do parecer técnico.
Nesse sentido, a reportagem procurou Blue Hebert, responsável pelos projetos das três pistas de Pump Track localizadas no Parque de Esportes Radicais do Bom Retiro, em São Paulo. O espaço recebe diariamente praticantes de diferentes modalidades e vem mostrando como estruturas pensadas para todos e feitas com um bom material podem promover a inclusão e o incentivo ao esporte.
“A princípio, as pistas de Pump Track do Bom Retiro seriam exclusivas para ciclistas, ao passo que o Bowl e o Street Park permitidos só para skatistas. O ponto chave foi o diálogo. Quando o antigo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad convocou as reuniões de projeto, chamou especialistas de diferentes modalidades, e concluímos que pequenas alterações permitiriam que todos os espaços fossem aproveitados por todos”, explica Blue.

Pista de Pump Track no Parque de Esportes Radicais do Bom Retiro, em SP/ © Arquivo Bike é Legal
Essas alterações se referem à geometria das pistas, uma vez que as linhas que cada esporte costuma fazer são diferentes. “Skatistas fazem linhas mais bidirecionais, enquanto ciclistas pedalam com mais curvaturas”, esclarece Renato. “No caso das pistas de pump, os primeiros desenhos eram agressivos demais para um skatistas conseguir fechar a pista”, comenta Blue.
Pista de skate ou Pista de Esportes Radicais?
A nomenclatura ‘esportes radicais’ vem justamente no sentido de incluir todas as modalidades e mudar a cultura do preconceito entre uma prática e outra. De fato, se o nome carrega um único esporte fica difícil a inclusão dos outros. Mais complicado ainda são construtoras que estipulam cláusulas ligadas à garantia dessas pistas baseadas na proibição de bicicletas nesses locais.
A empresa Compacta, responsável pela construção da pista de Santana de Parnaíba e de muitas outras espalhadas pelo Brasil, tem esse costume de determinar em seus contratos a proibição de bicicletas nas pistas que constrói, alegando justamente que esse uso degrada as estruturas.
Em entrevista ao Bike é Legal, o advogado Leandro Souza explicou que a inclusão dessa cláusula nos contratos não é algo ilegal, mas sim revogável, uma vez que a constituição em seu Artigo 5º, e Lei Pelé (9.615/98) – que proíbe a discriminação na prática esportiva – garantem esse compartilhamento. Foram esses artigos inclusive, que embasaram o pedido da liminar de Santana de Parnaíba.
O que fazer quando chegar em uma pista e quiserem me proibir de andar?
“O primeiro passo é procurar a prefeitura para saber qual órgão é responsável pela administração da pista, e a partir daí começar um diálogo sobre a ilegalidade dessa proibição”, explica o advogado Leandro Souza.
No caso de não haver uma resposta positiva na argumentação, a Defensoria Pública, a OAB e até mesmo o Ministério Público podem auxiliar, de forma gratuita, no processo judicial para a liberação. “O ideal é procurar pelo Fórum mais próximo e solicitar esse auxílio”, esclarece Leandro.
“Mas fomos nós skatistas que construímos todo o diálogo com a prefeitura para a construção dessa pista”. Vamos com calma!
A frase acima é de um dos skatistas que quiseram proibir os bmxers de andarem na pista de Santana de Parnaíba, mas é também o discurso de muitos pelas cidades brasileiras. Se pararmos para analisar o caso da cidade em questão, nos deparamos com um cenário de skatistas organizados, inclusive em associação com CNPJ, frente a uma cena de BMX com menos de cinco praticantes em toda a cidade de Santana de Parnaíba.
Foram sim os skatistas que pressionaram a prefeitura para construir uma pista nova na cidade, mas para além da discriminação que a associação preferiu promover, existe o poder público que, mal assessorado, se eximiu de pensar na sociedade como um todo.
“Existe uma diferença entre preconceito e discriminação. Se por um lado um prefeito de determinada cidade pensa estar fazendo algo ótimo construindo uma pista para os skatistas por não procurar se informar direito sobre as outras possibilidade que esses espaços oferecem, por outro existe a discriminação de quem não quer dividir uma estrutura que deve ser para todos”, comenta Blue Hebert.
“E os acidentes, o ideal não seria mesmo cada um ter o seu espaço?”. Veja bem…
A legislação fala na exigência de uma pista para cada modalidade se não for possível o compartilhamento. Muito custosa, essa alternativa impossibilita a fomentação de novos atletas e até mesmo de novas modalidades. A divisão de horários para cada modalidade continua sendo uma possibilidade viável.
“Não podemos esquecer que esses espaços devem ser democráticos. Além de receber bicicletas e skates, também precisam receber patins, patinete e até mesmo cadeirantes. O que vemos hoje mundo afora são espaços compartilhados que incentivam novas formas de se libertar através do esporte”, conclui Renato Paiva, integrante da Confederação Brasileira de Esportes Radicais.
Abaixo, você confere o vídeo da role Crew pedalando na pista de Santana de Parnaíba: