Entre carros e bicicletas é preciso existir cidadãos
De volta do trabalho, quando já está escurecendo, cruzo o trânsito parado, e passo deslizando no asfalto; é uma afronta a quem está preso, é quase uma ironia que um veículo barato movido a tração humana possa chegar antes ao destino.
Faço meu vai e vem para o escritório, um co-working em Pinheiros, todos os dias de bicicleta. São 7,5 km de ida e a mesma distância, quando venho direto, de volta. Lógico que no meu caso tenho o privilégio de ter a Ciclovia da Faria Lima de ponta a ponta. Deixo as crianças cedo, busco minha bicicleta, coloco o que preciso na mochila: um lap top, um caderno, um fone, e sigo meu caminho.
Entre oito e nove da manhã, a ciclovia tem fila, espera no farol e tem também o mal comportamento de tantos outros modais; ciclistas que aceleram, que cortam, que passam na frente da fila, que intimidam pedestres, bikes com motor, enfim, todo o lado que faltou ser trabalhado nesse processo de inserção do modal bicicleta na cidade mostra sua outra face.
Para mim, o que realmente ficou faltando foi a elaboração e disseminação de uma cartilha completa, com o comportamento adequado dos ciclistas, pedestres e veículos. Até foi feito algo, mas de forma muito tímida; pouca gente teve acesso, ou quem teve não se aprofundou.
Se me perguntassem que trabalho fazer hoje, eu certamente incluiria formação em mobilidade na grade escolar ou/e na programação dos parques públicos. Desde criancinha, mesmo que de forma lúdica com brincadeiras, jogos e etc, as formas de se locomover na cidade e as principais regras de conduta, seja transporte público, automóvel, a pé, bicicletas ou o que quer que seja, precisam ser internalizadas.
Temos que formar gerações futuras de bons condutores e principalmente de bons cidadãos. Da mesma forma que foi trabalhado o lado ecológico de preservar o planeta, as formas de mobilidade precisam estar inseridas nas futuras gerações de forma natural, longe dessa disputa por metro dos dias de hoje, mas muito mais respeitosa e humana. São eles que irão exigir dos mais velhos um comportamento mais adequado.
De volta do trabalho, quando já está escurecendo, cruzo o trânsito parado, e passo deslizando no asfalto; é uma afronta a quem está preso, é quase uma ironia que um veículo barato movido a tração humana possa chegar antes ao destino. Talvez o despertar da antipatia de alguns não seja pela bicicleta, mas simplesmente pela perda de tempo e de vida. Soltando fumaça e parado em um farol, parece-me que a frustração de alguns motoristas fica direcionada ao objeto bicicleta.
Entendo perfeitamente que a bicicleta é a opção de uma minoria, talvez 5% consiga hoje usar de forma mais intensa como transporte. Mas se existe, e existem sim pessoas que a usem, é preciso respeito e cuidado; poderia ser facilmente mais um carro a sua frente.