Desacelera São Paulo
Um texto opinião de Renata Falzoni sobre a culpabilização dos pedestres e ciclistas pelas mortes nas marginais da cidade de São Paulo
Essa será a minha décima gestão de prefeitura. Melhor explicando, esse é o décimo prefeito que assume São Paulo e eu, como ciclista, ativista, cidadã, estarei a postos para gastar o meu tempo, muitas vezes em vão, e continuar a batalhar por uma cidade melhor para os ciclistas, e portanto, melhor para todos. Onde se pedala com segurança, menos pedestres são atropelados, os idosos e as crianças ganham o direito de ir e vir e todos, inclusive os motoristas, ganham.

Arte do cartunista Reynaldo Berto
Nesse mês de janeiro, minha cidade recebe o prefeito que venceu a eleição em primeiro turno sob o slogan “Acelera São Paulo” e esse refrão, associado a promessas de se elevar as velocidades nas marginais dos Rio Tietê e Pinheiros, acaba sendo uma combinação muito perigosa. Desde a vitória de João Dória em São Paulo, nós ciclistas temos sofrido agressões nas ruas, as vezes disfarçadas, e outras bem explícitas
Durante o período eleitoral não houve debate político, e a população – insuflada por uma mídia que se especializou em criticar a prefeitura não pelos seus problemas, mas pelo seu partido – não teve a oportunidade, ou a abertura, muito menos a vontade de entender o quanto nocivo é a velocidade de automóveis em um centro urbano. Essa mesma população que já perdeu parentes e entes queridos em “acidentes” de trânsito, não se permitiu associar a velocidade a impunidade dos problemas de mortes nas ruas de nossa cidade, e – principalmente – o privilégio de poucos sobre o direito de muitos.
Por mais que esteja matematicamente comprovado que velocidade média constante promove fluidez, que representa mais pessoas passando em um mesmo período de tempo, com mais segurança para todos, ainda é de consenso comum o equívoco de que que aumentar a velocidade nas marginais significará menos tempo de viagem pra todos.
Ledo engano, representa menos tempo para uns pontualmente, a noite eventualmente, com aumento de acidentes, e consequentemente mais mortes e mais lentidão de trânsito, o que afeta a todos. 100% todos.
A prova disso está nas próprias medidas anunciadas pela Secretaria de Mobilidade e Transportes de São Paulo. Ao anunciar o plano de aumento de velocidades nas marginais, saltando de 70 para 90 km/h nas expressas e de 50 para 60 km/h na locais, mantendo a faixa da direita a 50 km/h a título de proteger o pedestre caminhando ao longo das mesmas, a Secretaria anunciou um aumento de estrutura de “pronto atendimento” com guinchos, ambulâncias e motos com paramédicos ao longo das marginais, deixando uma mensagem tão clara quanto subjetiva: sim, haverá mais acidentes e portanto temos estar preparados para garantir a fluidez ao sistema.
A esmagadora maioria da população ainda entende que um pedestre atropelado na Marginal “pediu para morrer”, pois imagina que esse cidadão esteja caminhando para nadar no Rio. O que não foi debatido ou explicado durante a campanha é que esses pedestres estão em calçadas de ruas essenciais para a mobilidade ativa, como é o caso da Rua Hungria, por exemplo, que é como uma marginal local do bairro de mesmo nome: Pinheiros.
São mais de 200 cruzamentos ao longo das pistas locais das marginais atravessados por milhares de pedestres todos os dias, a caminho de seus trabalhos, localizados nos edifícios ao longo das mesmas.
Outra “pegadinha” que leva o público a entender que atropelamentos nas marginais são “fatalidades” onde a vítima é culpada, são as alças de acesso e as pontes.
Pontes e viadutos são obstáculos urbanos que – da forma como foram projetados – não promovem a circulação de pedestres. Até quatro anos, NENHUMA ponte na cidade de São Paulo tinha faixa de pedestre ou qualquer tipo de sinalização que incluísse as pessoas. A CET até então solucionava o problema dos pedestres simplesmente excluindo-os, proibindo-os, pois um pedestre atropelado fora da faixa, já é um “marginal”, um “fora da lei” no entender da esmagadora maioria da população. O que de acordo com o código não é verdade, pois se não houver uma faixa de pedestre no raio de 50 m da sua linha de desejo é lícito sim atravessar a rua com TOTAL preferência.
Voltando ao ponto, até quatro anos, a CET não apenas não desenhava faixas de pedestres para incluir a mobilidade ativa ao atravessar uma ponte, mas denominava essa alça de acesso como “marginal”, assim os pedestres que perderam a sua vida na tentativa de atravessar uma ponte, segundo as estatísticas da CET, perderam suas vidas na “marginal”, portanto em um local onde ele, pela denominação da CET, “não deveria estar” mesmo! Esse tipo de erro conceitual é um absurdo, e depois de muita luta e perda de tempo, nós ciclistas e ativistas conseguimos começar a reparar o equívoco, mas… veja o que aconteceu, o slogan do novo prefeito é “Acelera São Paulo” e essa é a semântica que vai ser muito difícil de se dissolver.
Pois então aqui faço um apelo: antes de escrever qualquer bobagem nas postagens daqueles que se colocam contra os aumentos de velocidade nas ruas, avenidas e marginais de São Paulo, e de todo Brasil, estude o tema, informe-se melhor, pois a vítima do abuso de velocidade é sempre você, eu, somos todos nós.
Desacelera São Paulo.