Trump criou uma prova de ciclismo para ser maior que o Tour de France. E faliu.
Além da esperada aula de auto-promoção, a história do 'Tour de Trump' é tão curiosa que consegue envolver até um bordel holandês e um jovem promissor de nome Lance Armstrong.
Alvo de toda sorte de críticas, análises e previsões nos últimos meses, a trajetória de Donald Trump também teve uma página dedicada ao ciclismo de alto rendimento. No final da década de 1990, o hoje eleito 45º presidente dos Estados Unidos se aventurou no mercado de competições com o projeto de uma prova que, segundo ele, rivalizaria com o Tour de France.
O Tour de Trump – sim, ele batizou com o próprio nome – começou com toda a mania de grandeza pela qual o milionário é reconhecido, mas durou apenas dois anos. Com uma premiação polpuda para a época, a competição balançou o mundo do esporte em duas rodas e atraiu diversas das principais equipes e atletas, entre eles o três vezes campeão do Tour de France Greg LeMonde.
No entanto, a exemplo do que aconteceu com diversos outros empreendimentos de Trump, o sonho ciclístico acabou precocemente devido a problemas financeiros do próximo morador da Casa Branca.
Além da esperada aula de auto-promoção, a história é tão curiosa que consegue envolver até um bordel holandês, além de um jovem promissor de nome Lance Armstrong.
O nascimento do Tour de Trump
Toda essa história começou quando John Tesh, então repórter da CBS Sports, foi cobrir o Tour de France em 1987 e voltou para casa com a ideia de que os EUA precisavam ter um evento daquele tamanho. A intenção inicial era dar os primeiros passos com uma prova de um dia na costa leste americana, de Manhattan até Atlantic City – pouco mais de 220km.
Com apoio do narrador de basquete Billy Packer, a ideia foi levada à frente dentro da emissora e eles passaram a buscar financiamento para tirar do papel aquele que seria o ‘Tour de Jersey’.
Os alvos principais foram os donos de cassinos em Atlantic City e, após algumas recusas, Packer encontrou em Donald Trump o patrocinador perfeito. Foi do narrador, a propósito, a sugestão para o nome “Tour de Trump”.
“Quando me falaram esse nome pela primeira vez, eu quase caí da cadeira. Eu disse: ‘Você está brincando? Eu vou ser morto pela mídia se usar esse nome’”, contou Trump ao New York Times perto do início da primeira corrida, em 1989. Os relatos, entretanto, são de que ele mudou de ideia em menos de 20 segundos, convencido do valor comercial da marca que, de fato, garantiu grande exposição na mídia local e mesmo na imprensa europeia.
Sobre seguir a tradição do ciclismo e dar o nome da região ou país onde a prova acontece, Trump disse: “Nós poderíamos fazer isso se quiséssemos uma corrida de menor sucesso”.
Confiante pelo investimento de cerca US$ 750 mil, Trump explicava que ali nascia um evento para ser o equivalente norte-americano da principal volta do mundo, o Tour de France. Segundo ele, no futuro sua prova atravessaria os EUA de costa a costa e até daria uma voltinhas em torno da Casa Branca. Veja como ele sonhava longe nestas entrevista à NBC e à ESPN:
“Eu olho pra esses modelos de hoje e pergunto: isso é mesmo uma bicicleta? Parece mais um foguete! A última vez que andei de bike deve ter sido com uns sete ou oito anos de idade”
– Donald Trump, às vésperas do lançamento da prova
Prêmio milionário
O sucesso do Tour de Trump dependia diretamente do ricaço por um motivo óbvio: dinheiro. Em 1989, a premiação total de 250 mil dólares – 50 mil para o vencedor na geral – foi fator determinante para atrair a participação de algumas das mais importantes equipes da época. O prêmio já era o equivalente a ⅕ daquele dado no Tour de France.
A escolha das datas também foi considerada um mérito, já que o evento foi realizado em maio, encaixado entre o Giro d’Italia e o Tour de France. Muitos atletas, inclusive, deixaram de participar da Vuelta a España daquele ano para prestigiar a festa de Trump.
A primeira edição contou com 10 etapas, que somaram 1.327 km em cinco estados norte-americanos, com largada em Albany e chegada em frente ao Cassino de Donald Trump, em Atlantic City. Formavam o pelotão onze equipes amadoras e oito profissionais, entre elas Lotto, Panasonic e PDM. Primeiro norte-americano a vencer o Tour de France, Greg LeMond era o principal nome entre os 114 ciclistas.
Também chamou atenção a presença de uma equipe patrocinada por um bordel em Amsterdam. “Somos o maior da Holanda. Garotas lindas”, vangloriava-se um membro do time à Sports Illustrated.
Apesar do barulho, os planos do magnata esbarraram no desinteresse do público norte-americano e até mesmo em protestos contra sua figura. Na linha de chegada da primeira etapa, os aguardados torcedores davam lugar a um grupo de manifestantes anti-Trump. Empunhando cartazes com dizeres como “Combata o Trumpismo”, “Trump = Senhor das Moscas” e “Com fome? Coma os ricos”, as pessoas criticavam o estilo de vida extravagante e a ganância do agora presidente da maior potência mundial.
Nas estradas, quem levou a melhor em 1989 foi o norueguês Dag Otto Lauritzen, não sem alguma polêmica. Acontece que o belga Eric Vanderaerden, que havia vencido quatro etapas e liderava a geral foi prejudicado no contrarrelógio da última etapa por, segundo ele, ter seguido uma moto da organização numa curva errada. O tempo perdido determinou o resultado.
Nada que abalasse o discurso de Trump: “Essa coisa virou um monstro. Logo no primeiro ano já é uma corrida lendária”, disse à Sports Illustrated, revista que endossava os elogios, definindo o Tour inaugural como “um sucesso esmagador”.
Outros olhavam com mais reserva. O Chicago Tribune tirava certo sarro, dizendo que a “extravagância” do milionário aparecia até na camisa rosa de líder. “Nem a camisa rosa era só rosa. Era rosa e branca e verde e roxa e mais algumas cores”, publicou o jornal.
A reportagem conta que o clima ao longo da semana era inflado por funcionários e locutores que estavam sempre exagerando na magnitude do evento, por mais que o público não fosse dos mais animadores. A figura de Trump, é claro, era exaltada pelos mesmos personagens a cada dia.
“A prova parece ter sucesso suficiente para continuar no ano que vem e, quem sabe, no próximo. Para virar tradição, é melhor esperar para ver. Tradições não podem ser criadas, mesmo que com muito dinheiro e jogada de marketing”, profetizava o mesmo Chicago Tribune.
Bancarrota
No ano seguinte, 1990, foi a vez do mexicano Raúl Acalá sagrar-se campeão da edição que marcou o fim da aventura de Trump no ciclismo de estrada. Com sérios problemas financeiros em suas empresas, o milionário deixou de patrocinar a prova, que foi apenas um de uma série de negócios que deram prejuízo e o levaram a declarar falência pela primeira vez – de quatro – em 1991. O Tour de Trump é o menos lembrado destes investimentos, já que faziam parte desse pacote a Trump Airlines e, especialmente, o hotel e cassino Taj Mahal, em Atlantic City.
A partir de 1991, a competição resistiu por mais seis temporadas com o nome da nova financiadora, a DuPont, e teve considerável importância no calendário mundial, chegando a ser a prova de maior pontuação no ranking UCI fora da Europa. Com seus 20 poucos anos e ainda apenas um sopro do multi-campeão e trapaceiro que se tornaria, Lance Armstrong ganhou o Tour DuPont duas vezes antes da extinção da corrida em 1996.
Confira abaixo uma reportagem e um documentário sobre os Tour de Trump de 1989 e 1990, respectivamente: