O mercado brasileiro de bicicleta e a tirania do pedivela 175
O assunto passa batido pelos ciclistas de maior estatura. O ponto final dessa minha tese foi quando pedalei na trilha de teste da Sense Bikes (delícia de trilha!!!) a bicicleta de Isabella Lacerda
Quando moleca, minha mãe me chamava de “São Tomé”. Lembra aquele santo que só acreditava vendo? Alcunha bem correta, pois até hoje a teoria para mim só vale se verificada na prática. Assim sendo, desenvolvi um senso muito pragmático para o caminho reverso, teorizar a partir do estudo da minha própria vivência, comparando-a com a dos outros. E foi assim que criei a “Teoria da Tirania do Pedivela 175”.
Há muitas décadas, para simplificar o mercado de reposição de peças, a indústria de bicicletas brasileira, quer seja ela formal ou não, só equipa as bikes com pedivelas no tamanho 175 mm, que é o tamanho mais usado por pessoas com estatura superior a 1,75 metros de altura, em sua esmagadora maioria homens.
Foi em Janeiro de 1989 que eu me toquei dessa realidade, quando me dei de presente uma mountain bike Gary Fisher tamanho 15 e o pedivela era de 165 mm. Até então rodava com uma Caloi Cruiser tamanho 20, com marchas adaptadas e claro, pedivela 175. Foi um delírio acompanhado de amor a primeira vista, nunca esquecerei o prazer de vencer em altos giros de pedal as pirambeiras das trilhas do “Bird Wacher Trails” no Central Park (estava em Nova Iorque), trilhas hoje totalmente proibidas aos ciclistas, o que é muito justo!
Mais recentemente tive o mesmo prazer ao pedalar a Specialized Ruze feminina com pneu 6 plus! Pedivela 165mm! Quando por fim chega ao Brasil o Bike Fit, o que poderia ser um pontapé inicial para resolver essa questão do pedivela não foi. A maioria das bicicletas cujos donos fazem bike fit são importadas e não padecem desse problema. Os pedivelas variam de acordo com o quadro entre 165 e 175mm, passando por 170 e até 172,5.
Como aqui no Brasil não se encontra um pedivela menor do que o tal do 175, não há como “ajustar” as bicicletas de quadro pequeno com pedivela das montadas por aqui.
Daí convencionou-se dizer que as “Bikes da Caloi”, um termo genérico pois na realidade todas as bicicletas feitas no Brasil, não aguentam um bike fit, uma vez que elas padecem do mesmo mal. Todas vêm com o pedivela do mesmo tamanho: 175mm.
Sempre sofri calada esse problema, sem alardear a questão, pois por décadas fui patrocinada pela Caloi. Mas recentemente em Manaus, quando na inauguração da Sense Bike, tive a oportunidade de questionar o tamanho do pedivela das bicicletas de quadros menores diretamente com Pierre De Tarde, o projetista das bikes, e para espanto de todos, inclusive do próprio projetista, as bicicletas todas estavam com o mesmo padrão brasileiro de 175mm.
O assunto passa batido pelos ciclistas de maior estatura. O ponto final dessa minha tese foi quando pedalei na trilha de teste da Sense Bikes (delícia de trilha!!!) a bicicleta de Isabella Lacerda, uma Sense de Carbono quadro 15, com grupo Shimano XTR eletrônico, um avião e pasmem, com pedivela 175mm. A Isabella mede uns 1,57 metros!
Perguntei se aquele era o pedivela do gosto dela e claro não é!!!! Em um bate papo informal entendi que também ela não conseguia um pedivela menor e que poderia render muito mais, em especial nas subidas, com um pedivela menor.
Esse problema poderia ser classificado como machismo, mas vai além: é ignorância mesmo! Além de serem pouco atrativas as mulheres, porque são bicicletas erradas por natureza, as bikes brasileiras ao não contemplarem as necessidades de pessoas de estatura inferior a 1,60 metros, não importando o gênero, empobrecem o mercado.
Uma solução padrão dessas de um lado “facilita” a indústria, mas ao não atender o cliente é igualmente danosa para o próprio mercado! Esse é um drama que me atormenta há 30 anos!