As diferentes visões sobre a bicicleta ao longo dos tempos
A popularização da bike e seu uso como forma de ir ao trabalho teria começado a partir do final da década de 40
A entrada das bicicletas no Brasil se deu pelas mãos dos europeus, mais precisamente no final do século XIX. A cidade de Curitiba abrange boa parte dos primeiros relatos sobre o início do uso das “magrelas” no país.
Geralmente, as bikes eram importadas da Alemanha, Suécia, Inglaterra e Itália. Eram consideradas bem caras pelos padrões da época. Acima de tudo, foram usadas como uma forma de ostentação, como se fossem verdadeiras joias. A utilização das bicicletas, naquele momento, estava muito mais vinculada a desfile do que a transporte.
A popularização da bike e seu uso como forma de ir ao trabalho teria começado a partir do final da década de 40. A indústria brasileira, dentro do ramo de bicicletas, deixou o custo da produção mais barato, fazendo com que muitas pessoas pudessem ter acesso a elas.
Em paralelo, as famílias proprietárias das bikes europeias, já na ocasião utilizando veículos motorizados, teriam passado a vender e até mesmo doar suas relíquias de duas rodas para quem tivesse interesse.
Essa passagem, sobretudo nos grandes centros do sul e sudeste, teve como consequência, um aumento no uso de bicicletas como forma de locomoção, principalmente em meados dos anos 60.
Em suma, inicialmente no Brasil, a bicicleta é tida como um objeto de desejo, muito contemplado e ostentado, pertencente apenas a uma parte dos europeus que imigraram ao país, sobretudo, os mais elitizados. Depois, com a industrialização, o real sentido da utilidade da bicicleta ganha vida, quando, então, os trabalhadores passam a usá-la como transporte.
Deste ponto em diante, inicia – se o preconceito para quem usa a bike, uma vez que ela começa a ser utilizada massivamente pelas famílias mais humildes, que eram compostas por operários.
Atualmente, o reflexo desta rejeição à bicicleta impera em muitos locais. Ser um ciclista urbano no Brasil, não é uma tarefa fácil. Geralmente, não há um lugar específico para estacioná-la. Muitas vezes, negociar um espaço para ela requer mais que habilidade, exige-se paciência e uma boa conversa.
Felizmente, a adequação à realidade do ciclismo urbano vem ocorrendo, ainda que paulatinamente. Todavia, ainda há muito a ser feito.
Ao longo dos anos, muitos ciclistas que decidiram usar suas bikes para os afazeres do dia a dia acumularam experiências boas, mas também vivenciaram desavenças. Alguns prédios comerciais em São Paulo, por exemplo, não permitem a entrada de bicicletas e dificultam o acesso dos ciclistas. Isso ocorreu com Marcos Gomes, um empreendedor do ramo de tecnologia, quando foi a um compromisso profissional na Avenida Presidente Juscelino Kubitschek:
“(…) nunca fui tão mal atendido por estar de bicicleta. A infraestrutura (bicicletários, obrigatórios por lei) ainda não estava pronta, mas não foi este o problema; o problema mesmo foi o atendimento, como os funcionários do condomínio me trataram.
Por eu estar com uma camiseta própria para ciclismo (modelo jersey), os profissionais da segurança me trataram com desdém e grosseria, fizeram perguntas constrangedoras, dificultaram meu acesso à recepção e evitavam me dar instruções de como chegar no hall de elevadores sociais que dá acesso à recepção. Várias vezes me perguntaram onde eu ia fazer a entrega, o que é um problema em si, pois caso eu fosse entregador, deveria ser tratado com respeito e educação como qualquer outra pessoa. Não acreditaram que eu ia realmente fazer uma reunião de negócios no 11º andar, e sequer cogitaram que havia uma camisa (com botões!) dentro da mochila”, relatou Marcos em seu perfil numa rede social.
Na contramão de conceitos assim, empresas como Google pensam na bicicleta como solução de locomoção e estimulam seus funcionários e visitantes a pedalarem. Quem trouxe este dado foi a empreendedora Bel Pesce durante um “webseminário” que tive a oportunidade de assistir. A gigante da tecnologia promove o uso de conference bike: a logística interna da empresa, no Vale do Silício (EUA), se dá por meio de bicicletas com quadros arredondados, que mais parecem uma mesa de reunião. Estas são utilizadas nas áreas comuns da corporação. Durante o percurso de um local para outro, as pessoas podem conversar e debater sobre assuntos profissionais. Além disso, tal atividade estimula a prática de hábitos saudáveis, aumenta a interatividade, economiza tempo e gastos se comparados a uma logística motorizada.
Bel vivenciou de perto a experiência com a conference bike e comentou: “o simples pode ser um ótimo marketing”. Isto é, além dos benefícios mencionados com a atitude aqui relatada, a empresa conseguiu deixar sua imagem ainda mais positiva.
Bem, a visão que as pessoas têm sobre a bicicleta, seja no Brasil ou no mundo, mudou bastante no decorrer dos anos, seja por motivos históricos ou por motivos sociais. Em alguns locais a mudança foi boa, em outros, nem tanto.
Talvez um dia as pessoas percebam que os verdadeiros valores humanos não estão inseridos em formas ou objetos, mas sim em atitudes que valorizam a liberdade e o direito de ir e vir, algo que está cada vez mais se dissipando, mas que o uso da bicicleta tem o poder de resgatar e difundir. Uma pena que isso não se desenha. Quem pedala sabe: a bike humaniza a vida e as relações!