A bicicleta na Alemanha: O contramovimento e a criação de clubes e associações
No entanto, em 1938, por conta de uma decisão do governo Nazista, maioria das organizações foram banidas ou foram ocupadas por lideranças do governo, inclusive a Federação de Ciclismo da Alemanha.
Antes de começar a ler este artigo, confira a PARTE 1 e PARTE 2 deste artigo.
Não só o sistema cicloviário passou por mudanças no período Nazista, mas também os movimentos de ciclistas. Em 1934, por exemplo, foi proibida a existência de associações pró-bicicleta, mas algumas ainda persistiram, em especial as que atuavam com ciclismo esportivo, tendo como argumento o desenvolvimento do país e exposição ao mundo também pelo espectro do esporte. Mas a história dos movimentos de bicicleta na Alemanha começa antes disso.
A ONG de bicicleta mais antiga da Alemanha foi o “Altonaer Bicycle Club 1869”, de uma comunidade rural de Hamburgo. Diz-se que o seu primeiro presidente, Gregers Nissen, teve uma grande influência no debate sobre ciclovias na Alemanha.
Altonaer Bicycle Club
ONG de bicicleta mais antiga da Alemanha – Altonaer Bicycle Club, de 1869
Com o aumento do uso da bicicleta nos anos 1880 e 1890 pela Europa e, ao mesmo tempo, a falta de investimento em estruturas cicloviárias, aumentou-se também o interesse de participação e representação pelos ciclistas. Pequenos e dispersos clubes de ciclismo, compostos por representantes de classes sociais altas, advogados e fabricantes, passaram a se juntar para criar associações guarda-chuvas, representando todo o país.
Foi assim que, em 1884, foi fundado o “Deutschen Radfahrer-Bundes” (DRB) como federação de ciclismo e em 12 anos chegaram a ter 27.865 associados. Havia também a “Radfahrer-Union Vorwärts” (“União de Ciclistas Avante”) que atuava um pouco mais em incidência política, cobrando por ciclovias, por exemplo. O principal argumento na época para se ter ciclovias era a má qualidade das ruas (paralelepípedos ou estrada de terra). Mesmo com grupos interessados na estrutura cicloviária, a promoção da bicicleta na Alemanha seguiu compreendida apenas como lazer.
Em 1919 a DRB tomou a iniciativa de cobrar por ciclovias e virou a “Bund Deutscher Radahrer” (BDR). Isso e outras decisões políticas fez com que um grupo de ciclistas se dividissem da federação e fundasse a “Deutsche Radfahrer-Union”. Outro grupo extremamente influente na década de 1920 foi a “Arbeiter-Radfahrerbund Solidarität”, uma federação de esportes de trabalhadores que envolvia também outras modalidades de bicicleta.
No entanto, em 1938, por conta de uma decisão do governo Nazista, maioria das organizações foram banidas ou foram ocupadas por lideranças do governo, inclusive a Federação de Ciclismo da Alemanha. Evidentemente isso tornou esse movimento da bicicleta tendencioso e a favor das decisões impostas no novo Código de Trânsito.
Arquivo público
Selo de membro da Deutsche Radfahrer-Verband, Federação de Ciclismo da Alemanha gerida no período Nazista
Após a 2a Guerra Mundial, todas as organizações do governo Nazista foram dissolvidas, incluindo as organizações de bicicletas dominadas nesse período, as quais foram reconstituídas no decorrer dos anos na Alemanha Ocidental, já que a Alemanha Oriental estava sob regime comunista e o incentivo da bicicleta se deu de forma mais precária.
Com a diminuição contínua do uso da bicicleta como transporte nos anos 60 e 70, o tema saiu da grande pauta nas discussões sociais e urbanas. Foi o movimento ambientalista que resgatou a bicicleta como prática positiva, dada a crescente sensibilização ao meio ambiente dos alemães. Os anos 80 foram, portanto, o momento chave de um alto crescimento de uso da bicicleta tanto na Alemanha Ocidental quanto na Oriental.
Desse ressurgimento de ciclistas nasceu em 1979 a ADFC (Allgemeiner Deutscher Fahrrad-Club) com apenas 17 entusiastas da ciclomobilidade durante uma exposição internacional de bicicletas e motos. Um dos fundadores comentou que só seguiria adiante com a organização se conseguissem mais de 100 associados. Em 2 semanas já contabilizavam mais de 170.
Hoje a ADFC é a principal associação de incidência política sobre o tema da bicicleta como mobilidade, bem como cicloturismo, contando com escritórios em todos os estados e grupos locais em 400 cidades alemãs. Hoje totalizam 150.000 associados à organização.
Arquivo público
Assembléia da ADFC em 2015 com representantes dos 16 estados alemães
A Massa Crítica (ou Bicicletada), movimento que também está presente em várias cidades brasileiras, chegou na Alemanha em Setembro de 1997 em Berlin. Hoje em dia o movimento já está presente em quase 100 cidades do país e tem um grande peso, a partir do momento que traz à tona a discussão do compartilhamento do espaço com o trânsito em uma verdadeira massa crítica de ciclistas.
Além da ADFC e da Massa Crítica, vários outros grupos e ONGs tem emergido na Alemanha, com os mais diferentes propósitos, seja para dar apoio aos recém-chegados refugiados no país ou para estimularem novas modalidades da bicicleta, as quais serão também relatadas aqui mais adiante.
Arquivo público
Oficina de mecânica colaborativa com refugiados em Berlin
O momento atual da bicicleta na Alemanha
O interessante é observar como os movimentos de ciclistas na Alemanha se repetiram em vários momentos da história do país e atualmente pode ser considerado um movimento um tanto quanto jovem se comparado a outros países europeus, como na França ou Dinamarca. Ao mesmo tempo, isso também significa que é um movimento muito mais necessário na Alemanha dada sua história da política cicloviária ainda recente e em construção, além do desenvolvimento automobilístico no país.
Para compreender isso, basta ver, por exemplo, a divisão modal da Alemanha. Acreditem ou não, o carro representa 41% dos deslocamentos feitos no país. Enquanto que a bicicleta representa 12% das viagens, número quase igual desde 1987 (10%), quando o carro representava apenas 25% das viagens.
TU Dresden
Porcentagem da divisão modal da Alemanha de 1987 a 2013
Talvez não tenhamos (o Brasil), afinal, tanta diferença da Alemanha, dado o desenvolvimento automobilístico no país que representa 14% do seu PIB. Evidentemente que o país avançou muito nos investimentos na bicicleta, pela sua cultura sempre recorrente em investir em ciclovias, seja no período Nazista ou na divisão da Alemanha Oriental e Ocidental. Mas uma coisa é nítida até hoje e talvez um problema crônico: a alta cultura da segregação entre transportes motorizados e os ciclistas.
Fontes:
– Fahrrad Wikia – Radweg (Deutschland)
– Wikipedia – Radvekehrsanlage Deutschland
– Zur Geschichte des Radwegebaus in Deutschland von den Anfängen bis 1940
– John Franklin – History of Cycle Paths
– Fahrradbewegung Criticl Mass
– Wikipedia – Bund Deutscher Radfahrer
– Wikipedia – Radfahrerbund Solidarität