Minhas aventuras pelas alucinantes trilhas do Andes Pacifico, no Chile
Não existem palavras para demonstrar o que passamos, por mais minuciosa que eu queira ser. Poderia escrever um livro sobre o Andes Pacifico e ainda assim por ali nunca seria possível transmitir
Quando fui aceita para correr o Andes Pacifico eu não fazia ideia do tamanho da preparação necessária para correr essa prova. Nunca havia participado de um enduro multistage – isto é – etapas corridas no improviso (ao menos para os não-locais) durante uma série de dias de competição e de forma itinerante. O Andes Pacifico sediou este ano sua 3ª edição em pistas maravilhosas de downhill da região de La Parva, El Manzano, Lo Barnechea, Lo Hermita, Santa Cruz e Matanza, no Chile, em 5 dias de corrida somando mais de 12.000 metros de desnível negativo (descidas) e 95 Kms de trechos cronometrados (sem considerar os incansáveis deslocamentos abismo acima)!
Passamos por cenários maravilhosos e tivemos a oportunidade de conhecer, mesmo que no susto de um primeiro olhar, pistas tradicionais como a “Curva 16-0” na subida de Farellones e as Pistas de downhill de Santa Cruz. Dia 8 de fevereiro, recebi via whatsapp o contato de uma das organizadoras da prova que nos acompanhou na aventura, Camila Flaño, dizendo o horário em que o motorista estaria nos esperando para nos buscar na porta do Hotel. Ele chegou com uma pick-up 4×4 pronto para nos resgatar e nos levar até a loja MountainWorks onde tivemos a oportunidade de conhecer alguns pilotos e também sair para almoçar com dois brasileiros que também estavam de passagem pelo Chile, pois haviam acabado de organizar a copa iXS Cup. Foi ótimo estar com eles e poder trocar um pouco das experiências pois eles hoje moram na Suiça e nos pintaram um pouco do panorama do MTB por lá.
Por volta das quatro da tarde, fomos levados a uma praça que ficava logo atrás da loja onde estavam todos atletas com as suas bagagens prontas para serem removidas montanha acima. Foi muito interessante observar o clima do pessoal, todos estavam felizes e ao mesmo tempo apreensivos pois tudo era novidade. Fomos colocados de quatro em quatro em muitas pickups aproximadamente 20 ou 21 que seguiram em direção ao acampamento Antawaya, Lo Barnechea área localizada abaixo de Farellones. Logo ao chegar já fomos convidados a escolher uma barraca. Eram tantas que parece um pouco enigmático escolher pois você podia literalmente pegar qualquer uma. Acabamos ficando próximos de todos os brasileiros, pois assim poderíamos nos comunicar melhor e trocar equipamentos e ferramentas que precisássemos durante a prova, mesmo que aquele local fosse temporário, afinal trata-se de um campeonato itinerante.
Éramos sete guerreiros nacionais: Bia Ferragi (ASW Racing/Proparts/GT Bicycles), Yuri Bogner (ASW Racing/GT Bicycles), Paulo Souss, Marcio Berger, Bernardo Guarita, Robert Marent (Santa Cruz), Marcio Berger (Shamir) e Armando Pires Neto e com seu apoio Mauricio “How How”. No final da tarde houve a entrega dos kits de corrida com uma surpresinha! Recebemos uma mala da organização com o nosso número, o que foi meu pior pesadelo, aquela mala pequeníssima perto da que eu trouxe para cá foi a única coisa que eu tive que carregar durante toda a prova !!! tive que recortar e escolher minuciosamente tudo que carregaria pelos dias de prova, pois eu não veria o resto da bagagem até agora quando retornei o meu hotel em Santiago. Um fato interessante também foi que nos entregaram três number plates, aquela placa de plastico com a numeração dos pilotos e não é que de fato tivemos de utilizá-las. Andando por cinco dias de prova intensos naquele antigrip, terreno lixa com areia escorregadia e cheio de pedras, as placas realmente não duram e tivemos que substitui-las com o tempo. No final da noite foi nos servido um jantar maravilhoso, tudo organizado pelo buffet que foi contratado pela equipe da Montenbaik regado a vinho e logo após o jantar participamos de uma convenção onde nos foi passado um briefing de como seriam os cinco dias de corrida com mais afinco sobre o primeiro dia que enfrentaríamos na manhã seguinte. Foi nos passado por exemplo o horário para acordar, horário do café da manhã e o horário da saída das pickups.
A primeira noite foi tranquila e muito emocionante pois tudo era novo: dormir na barraca usar o saco de dormir, lanterna na cabeça! Pra mim. que por mais que seja uma moça do barro, nunca tinha passado por uma experiência de se aventurar tanto numa corrida e ainda por cima longe de casa e ao lado dos maiores atletas de Enduro do mundo!!!
Primeiro dia, 9 de fevereiro, acordamos cedo, um pouco antes do nascer do sol. Fazia muito frio e como subiríamos de teleférico até o topo de La Parva ficamos em dúvida quanto ao volume de roupa a levar divididos em camadas. Saímos novamente nas pickups mais ou menos 40 minutos até chegar à base do teleférico de la parva, onde seguimos com o teleférico acima até o topo da montanha. Lá fizemos algumas filmagens clássicas do Andes Pacífico com todos os corredores juntos que naquele momento deveriam largar uma determinada ordem de chamada de acordo com os números dados pelo organização, o meu número era 27 e o do Yuri 65. Corremos quatro especiais todas com o famoso Antigrip, que significa o terreno do Chile, extremamente arenoso e seco principalmente nessa época do verão quando quase não se chove, ou pelo menos não se chovia há mais de três semanas no local e cheio de pedras extremamente pontudas e lapidados olhando para você!
O resultado não foi outro, todo mundo acabou mais ou menos que caindo e se machucando um pouquinho nesse primeiro dia, mas eu ainda contei com azar um pouco maior na quarta especial a qual considerei realmente muito difícil pois era cheio de switchbacks muito íngremes e cheios de areia e eu acabei me desequilibrando num trecho levemente de subida off camber com um abismo ao lado onde você deveria imprimir muita força de pedal em marcha alta para sobrepor à pedra acabei perdendo o equilíbrio e me apoiando do lado errado da montanha hehehe, ou seja, caindo lá embaixo. Tudo bem exceto pelo meu tornozelo, que na hora doeu muito pela torção. Eu primeiro acreditei que podia terminar aquela especial, resgatei minha bicicleta e tentei, mas era impossível pisar no chão. Como ali era uma área extremamente técnica a equipe médica já estava assistindo a tudo de camarote, ali sentada em volta das pedras. O médico então veio me resgatar com a sua moto por uma incrível coincidência dramática acabou caindo com a moto no mesmo lugar! Resultado: outros dois homens de bike mais um de moto tiveram que vir ajudar a resgatar a moto lá de baixo e assim fomos eu mancando e ele de moto um pouquinho até um lugar mais Plano para seguir viagem abaixo em cima da moto até a base do acampamento. Foi uma travessia difícil muito estressante pois era muito íngreme e estreito para uma moto passar, ainda mais com uma pessoa na garupa. Enfim chegamos e fui correndo ao departamento médico onde constatamos que havia sido uma lesão de grau moderado e que eu poderia continuar a prova se me sentisse confortável a base de remédios e com uma bandagem que seguraria bem o tornozelo.
Depois de toda essa saga já era frio e escuro e resolvi tomar banho. Tinha alguém na cabine feminina e duas masculinas vazias e eu achei melhor ficar esperando…esperando… E esperando…. E daí em vez de sair uma donzela da cabine, me sai o François Balle-Maitre pedindo desculpas hahahha… Ok né… Que bom que eu não arrumei briga com o futuro campeão! Aí veio aquele jantar maravilhoso com vinho, doce de leite de sobremesa e naninha no casulo!
No segundo dia, 10 de fevereiro, foi o dia do molho. Meu pé acordou enorme, e eu mal consegui descer pra tomar café da manhã. A organização me orientou a não correr o segundo dia, e assim passamos o resto da manhã adaptando a minha bike para os próximos dias: suspensão ultra mole (zero performance, 100% conforto), pedais flat com uma bota ridícula estilo ortopédica…. Ok… Melhor do que nada certo? Nesse dia descobri que o meu amor pelo MTB ultrapassa os limites da dor literalmente. Não sou de gostar de sofrer em cima da bike, mas se estamos falando de belíssimas pistas de downhill a serem desbravadas…… me pareceu saudável aceitar o desafio! Dia 3, 11 de fevereiro, chegamos de forma itinerante a el Manzano, para um dia de quatro especias: duas de entrada seguidas de prato principal que foi absolutamente estonteante! Enorme: mais de 15 minutos de descida em alta velocidade terminando em um trecho super travado e íngrime cheios de pedras-surpresa! Neste momento entendi o por que existe um filtro tão grande para participar da corrida.
Correr às escuras/no improviso neste tipo de terreno é muito delicado e perigoso. Não é para piloto amador nem intermediário. É nível avançado a profissional e com uma excelente capacidade de leitura de terreno. Nas pistas longas ocorrem muitas ultrapassagens que são delicadas de serem feitas pois não há área de escape. Até o terceiro dia quase tudo foi corrido em beira de abismo! Ao final da terceira especial, um pequeno deslocamento até a sobremesa: especial 4. Cruzando um rio o tempo todo, foi uma especial rápida, de muito pedal e com uma cara de prova de aventura pois tínhamos que descer da bike e carregá-la sobre o rio algumas vezes. Ao final, fomos recebidos com um pic-nic organizado pelo Montenbaik com tradicionais empanadas chilenas de piño ou queijo e champignon, brownie, frutas e coca-cola. Nada mal hein? Hora de voltar ao acampamento. O acampamento foi instalado na fazenda de vinheiras Apalta, em Santa Cruz. Acabamos nos perdendo um pouco no último deslocamento rumo ao acampamento e quando chegamos já era noite e não pude ver a beleza do lugar. Já não estávamos tanto na altitude, então a temperatura já se encontrava um pouco mais amena. Eu estava tremendamente cansada e com o cabelo todo embolado e nojento. Essa minha situação só não contava com um elemento surpresa: para o banho, neste novo acampamento, tivemos que encarar um chuveiro militar. OK chegou a parte horrorosa. Pra mim isso foi um pesadelo! Água fria, teto meio claustrofóbico, urgh, tem que ter sangue….! Entrei, olhei, desisti. Isso mesmo. Desisti, não tomei banho, se vicê achou ruim liga pra polícia e diz que tem uma menina que não tomou banho. Na boa, não deu. Graças a Deus contei com o maravilhoso shampoo a seco presente da minha cunhada Thalita e também com uns lencinhos úmidos que deram mais ou menos conta do recado….Enquanto eu tomava esse banho de gato, confesso que o meu lado garotinha fresca me fez chorar dentro da barraca. Pra mim foi um verdadeiro momento de superação. Mas nada que aquele belo jantar não cure! Viva o vinho chileno!
Dia 4, 12 de fereveiro, dia de conhecer as maravilhosas pistas de DH de Santa Cruz! Muito bem cuidadas pelos locais, foram duas especiais longas e fluídas, muito íngremes, cheias de pulos e drops compridos e escorregadios. Pra mim foi o melhor dia. Já estava me sentindo um pouco mais recuperada e aquele é o tipo de pista de que gosto. Mas não vá você pensando que tudo são flores. Para se chegar ao topo das duas especiais, deslocamentos de 2:00 horas e 3:00 horas respectivamente, sem quase pedal. 90% empurra hill e haja braços para se equilibrar na montanha e puxar a bike! Imagine só meu tornozelo como foi…. Como não podia apoiar a base do pé no chão para ganhar empuxo, acabei rasgando a “casca” da pele do meu calcanhar abrindo fissuras profundas. Enchi de kinesio tape, ignorei a dor, olhos acima que uma hora esse deslocamento há de acabar. Muito calor, pouca água. Um silêncio absoluto, ninguém queria conversar em tais condições. Mas uma coisa foi certa: a maravilha daquela pista recompensou o sofrimento! Por azar a segunda especial acabou sendo cancelada pois um dos bumps acabou confundindo alguns corredores que desceram por linhas alternativas. Voltamos pedalando para o acampamento em meio à lindas parreiras de vinho! Neste dia, o brasileiro Paulo Souss foi destaque da noite pois tomou um tombo circense com o amigo Armando, em um trecho técnico da especial 2! Os dois saíram ilesos mas contam os expectadores que foi uma verdadeira performance! Ladies and Gentlemen mr. Paulo Souss – the worst crash of the day!
Dia 5,13 de Fevereiro, neste dia já acordei triste por ver se aproximando o final da prova. Mesmo com meu pé ruim, estava tudo tão bom, a estrutura, as pistas, que em vez das 7 especiais que ainda nos faltavam desejava que fossem 30! Demoramos duas horas para chegar mais próximos da primeira especial, e hoje o dia seria o mais duro de todos. Pedal, pedal e pedal. Por estradas de terra e asfalto, circulamos por toda a área raspando todas as pistas prontinhas que nos aguardavam por lá! A equipe do montenbaik super atenciosa fez questão de checar a todo o momento se todos os atletas estavam abastecidos com bastante água e oferecendo frutas, pois o dia estava sendo bem duro. 7,6,5,4 as especiais foram passando uma a uma, e o clima da prova de repente mudou. Não havia felicidade por estarmos no último estágio. De verdade, ali só haviam mtbikers de coração. Ninguém queria que a prova acabasse. Já estávamos avistando o mar, o final estava ali na nossa cara. Tantos dias juntos naquelas montanhas e agora tudo estava fardado a terminar em algum race report de algum país do mundo como este que estou redigindo agora.
Não existem palavras para demonstrar o que passamos, por mais minuciosa que eu queira ser. Poderia escrever um livro sobre o Andes Pacifico e ainda assim por ali nunca seria possível transmitir o cheiro daquelas montanhas, o gosto do vinho nem a beleza do sorriso das pessoas. Agradeço ao meu treinador Yuri por ter me trazido para participar desta aventura maravilhosa e também aproveito para parabenizá-lo pelo 25º lugar na Elite! A última especial terminava na praia e já pisando na areia fomos recebidos com cerveja e um belo churrasco, ou melhor, asado, com muito pisco sour para a festinha no pisco no disco! Neste momento só penso em poder fazer a prova por mais um ano. Obrigada Montenbaik por montar um evento tão incrível!!!!
#andespacifico Campeões: Tracy Moseley e François Bailly-Maitre