Roubaram minha bicicleta, mas não levaram minhas pedaladas!
Tenho certeza que muitos de nossos leitores já passaram por essa triste situação e compreendem as infinitas, e horríveis, sensações que tem tomado meu corpo e minha mente nesses últimos dias.
Chegamos ao fim de 2015, um ano bastante peculiar, cheio de novidades e de novos olhares. Com o fim desse ciclo, completo um ano como estagiária do Bike é Legal e mais do que isso, um ano como ciclista urbana na cidade de São Paulo.
Julia Guadagnucci
Eu e minha amada Clara no Minhocão
Foram incontáveis os benefícios que minha vida ganhou a partir do momento que comecei a cruzar a capital com minha bicicleta. Um Trek Dual Sport 8.3, branca e cheia de personalidade. Clara, como a chamei carinhosamente, foi meu primeiro amor verdadeiro, daqueles que mostram pra gente que a vida pode ser muito mais colorida e cheia de aventura.
Mas Clara foi roubada. Ou melhor, eu fui roubada, covardemente derrubada em um fim de noite de quarta-feira (16). Dois garotos em uma única bicicleta chegaram por trás de mim e me empurraram. Levaram a Clara e eu desabei em prantos, até não restar mais lágrimas, apenas um constante enjoo que ainda me toma o estômago.
O assalto aconteceu bem próximo a minha residência, em uma região que eu acreditava ser um oásis no tumultuado centro de São Paulo. Mas por mais que tenhamos fé, uma hora viramos estatísticas e nossa perda se torna apenas mais um rouba nessa violenta cidade.
Tenho certeza que muitos de nossos leitores já passaram por essa triste situação e compreendem as infinitas, e horríveis, sensações que tem tomado meu corpo e minha mente nesses últimos dias. Toda vez que ando pelas ruas do meu bairro, olho para todos os lados, ainda em busca da Clara, na esperança de vê-la passar reluzente, mesmo que impulsionada pelas pedaladas de outrem.
Doí fundo no peito imaginar onde ela deve estar e mais do que isso, qual será seu futura daqui uma, duas ou três semanas, caso o meliante que a levou de mim resolva que ela vale mais em pedaços.
Agora, se tem uma coisa que pude constatar nessa difícil realidade, é que sou uma pessoa abençoada por bons amigos. Foram inúmeras as mensagens me desejam força e esperança e outras tantas me oferecendo uma bike emprestada até que eu arranje minha nova companheira.
Nesse momento, está na minha garagem uma bela bike de relação única da Carla Moraes, uma daquelas bicicletas invocadas que só pedala quem manja muito e principalmente, quem tem perna boa. Andei com ela no fim de semana, mas hoje não tive coragem de subir a Avenida Angélica com a invocada.
Vim para a redação de ônibus, observando os sorrisos que encontrava ao cruzar com as várias ciclovias que conectam meu caminho. Tive um pensamento esperançoso nesse trajeto: eu preciso desapegar, entender que o que de fato faz a cidade se tornar mágica é o movimento contínuo das minhas pernas – pernas essas que ainda estão comigo, intactas – e que por mais especial que a Clara possa ser, existiram outras bicicletas para dar assas a minha liberdade.
Por hora, a Renata me emprestou novamente a laranjinha do Itaú. Voltei aos meus primórdios como ciclista urbana e ainda terei que ter uma conversa com a desajeitada, acho que ela ficou muito enciumada na época que a troquei pela Clara (rs).
Não sei muito bem como terminar esse texto, escrevi ele em corridos minutos e sinto poder continuar escrevendo até que o leitor perca a vontade de lê-lo. Por isso termino com um começo, com os primeiros parágrafos de um texto inacabado que começará a escrever um dia antes da trágica quarta-feira.
Foi a primeira primavera que vi florir…
Foi se o ano, no mesmo compasso das minhas pedaladas. Toda manhã desci o elevador animada, certa de que Clara estaria me esperando, com suas grandes rodas aro 29’, que mais parecem olhos me observando caminhar a extensa garagem.
Nos primeiros meses me enrosquei com minhas velhas aranhas, que hoje agarram o bagageira de uma grande amiga, enquanto eu me organizo diariamente em um alforje único. Então ganhei luvas da querida Bia Ferragi, um cinto diferente que me permite carregar o celular em qualquer roupa, colantes refletivos que pintam os aros da Clara e a enchi de adesivos de boas causas. Ela está linda. Cada dia mais cheia de personalidade, dando asas a minha liberdade.
Seja pela mobilidade ou pela praticidade, as magrelas tem algo de mágico, de libertador. Ao longo desse quase um ano de pedal, fui conhecendo quem são essas pessoas que cruzam a capital diariamente em seus camelos, em um compasso diferente do que a grande São Paulo está acostumada. Clara me fez redescobrir o centro da cidade, as velhas ruas que olhei durante 20 anos através de um vidro escuro e quadrado.
Ocupei meu quintal, a enorme minhoca de concreto, que na saída de minha faculdade e nas tardes de domingo parece dançar de alegria com os passos leves das pessoas. Superei as calçadas, o frágil meio fio e me vi modal, subindo “O Monte Angélica” como um hábil alpinista.
Foi a primeira primavera que vi florir…