Felicio Sadalla e a antiga luta por uma SP para pessoas
Enquanto seus colegas de profissão buscavam ingressar em alguma montadora de automóveis, o visionário, diante de suas constatações, procurou desenvolver uma alternativa de transporte
Felicio Sadalla, engenheiro, metalúrgico, 87 anos, nunca engavetou seus pensamentos. Muito pelo contrário, suas gavetas guardaram de tudo, menos sonhos ou ideias.
Desde criança, colocava sua imaginação para funcionar e, quando possível, executava suas invenções (engenhocas). Explorar locais como ferro velho e sebo, sempre foi uma grande diversão para ele.
Na juventude, Felicio fez parte da primeira turma de engenheiros da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), situada em São Bernardo do Campo/SP.
Nos anos 70, o então engenheiro, defendia a ideia de que a cidade de São Paulo iria um dia parar diante do crescente número de veículos. Nesse sentido, outra preocupação que possuía era com o nível de poluição que aumentava cada vez mais.
Enquanto seus colegas de profissão buscavam ingressar em alguma montadora de automóveis, o visionário, diante de suas constatações, procurou desenvolver uma alternativa de transporte que unisse eficiência, ausência de poluição e baixo custo.
Em 1975, após ter lido muito a respeito sobre as bicicletas elétricas que predominavam na China, resolveu por em prática seus pensamentos: desenvolveu a própria bike elétrica com uma bateria de avião e um motor de limpador de para-brisa de caminhão!
No ano de 1979, decidiu deixar seu carro na garagem e foi trabalhar com sua “magrela” movida à bateria. Na ocasião, percorreu um total de 26 km. Um dos grandes objetivos dessa atitude foi chamar a atenção das autoridades públicas sobre seu conceito de transporte limpo. Daí por diante, o uso da bicicleta modificada se tornou habitual. Claramente, havia neste projeto, uma preocupação não só com o meio ambiente, mas também com as futuras gerações.
Pensar na contramão do uso de carros, como Felicio fazia naquela época, era uma atitude bem desafiadora, se comparada com os dias de hoje. Ainda assim, em nenhum momento, ele deixou de acreditar em seus ideais.
Sua filha, a ciclista Patricia Fenyves Sadalla Collese, contou detalhes da repercussão das atividades do pai:
“Meu pai saía muito em jornais (Folha de São Paulo, por exemplo.) taxado dessa forma: Lá vai Felicio Sadalla, um louco que diz que São Paulo vai parar!
As autoridades nem ligavam muito para ele e quando o recebiam, diziam que a ideia era boa, mas que era para ele arranjar um milhão e, então, poderia voltar a conversar. Tratava-se de uma forma indireta de dizerem: isso não nos interessa, é coisa de maluco! Para mim, na época com 16 anos, me doía ver meu pai triste e frustrado pelo fato de que ninguém o entendia. Somente a família e os amigos próximos o compreendiam! As únicas pessoas que adoravam ver meu pai nas ruas eram as crianças pobres!
(…) É um homem muito simples, e foi homenageado poucas vezes(…)
Ele nunca foi político, no sentido de querer aparecer, só queria na realidade, melhorar a qualidade de vida das pessoas. Ele é assim até hoje, incansável com suas grandes ideias.
(…) Conhece um pouco de qualquer assunto e em meio a muitos livros, é muito organizado (…).
(…) Minha mãe, Magda Fenyves Sadalla, sempre o incentivou e nunca deixou meu pai se abater, hoje seus ideais são reconhecidos e valorizados por todos!
Patricia relatou ainda que seu pai em 1985 desenvolveu sua quarta bike elétrica. O protótipo foi apresentado para a Monark e também para a Caloi, no entanto, não houve qualquer resultado. As empresas se mostraram inertes.
Em 2009, Jaime Garfinkel, dono da Porto Seguro, compreendeu e assimilou o conceito defendido pelo engenheiro. Desse modo, implantou bicicletas elétricas em sua empresa. Seus empregados passaram a usar as bikes para socorrer segurados e também para fazer vistorias prévias. A primeira versão da bicicleta adquirida foi batizada por Jaime de Felisa, em homenagem a Felicio. “O mundo deveria ter muitos Felicios Sadalla e Jaymes Garfinkel”, concluiu Patricia.
Infelizmente, neste planeta quem pensa fora da bolha de aço, da linha de montagem, e busca uma mudança fora dos padrões tradicionais, quase sempre, é taxado de radical e até mesmo de louco.
Hoje, analisando as ideias de Sadalla, vemos que a loucura na verdade estava com os críticos sensacionalistas do passado, entorpecidos pela cultura automobilística. Restou claro, que Felicio tinha uma visão muito à frente de sua época.
Atualmente, bicicletas elétricas e convencionais estão cada vez mais sendo usadas. Além disso, a importância do compartilhamento do espaço urbano e a busca por energias alternativas estão na pauta de muitos projetos. Isto é, nossa realidade está ficando mais “feliciana”. Por óbvio, há muito ainda a ser feito, mas a largada já foi dada!
E se São Paulo, há mais de quarenta anos atrás, tivesse implantado um modal de locomoção voltado às bicicletas? E se os motores elétricos tivessem sido encarados com mais seriedade? Certamente, seria uma cidade mais saudável e menos louca…
Bem, por fim, agradeço a colaboração de Patricia Fenyves Sadalla Collese sem a qual não seria possível fazer o presente texto e, principalmente, seu pai, Felicio Sadalla, que está lutando contra o mal de Parkinson. Muita força e saúde para você Felicio. Sua lição é para toda vida: jamais devemos engavetar nossas ideias! Obrigado.