Falzoni: "Preconceito dos cicloativistas atrasa nossa luta"
Dividir os ciclistas não leva a nada. Afinal somos todos amantes do ato de pedalar e somente isso já é o passaporte para o envolvimento em nossa luta.
Acaba de rolar o #Fnebici, o primeiro Fórum Nordestino da Bicicleta. Entre os dias 29 de outubro e 1 de novembro, em Recife – a capital do Pernambuco-, muito se discutiu sobre os problemas que o Nordeste do Brasil enfrenta quando o assunto é mobilidade ativa em suas cidades.
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Fórum Nordestino da Bicicleta teve sua primeira edição em Recife
Uma realidade que nós aqui em São Paulo e Sudeste já vivemos intensamente: motoristas agressivos; cidades inacessíveis, cisalhadas por avenidas, pontes e viadutos; incompreensão da sociedade da urgência de soluções; mídia cética e ignorante; sem falar nas autoridades gestoras ausentes.
Se por aqui esses temas já avançaram um pouco, por outro lado, o que há de comum em todo o Brasil, é o quanto ainda estamos distantes da necessária retirada de espaços de carros das ruas para a promoção dos modais ativos, do transporte público e do direito a cidade.
Assistindo aos debates, refleti o quanto sofrido, demorado e doloroso foi o processo aqui em São Paulo, onde por décadas nada aconteceu, e ainda nada acontece quando se fala em mudar de conceito do uso do solo – este ainda é prioritário para os que vão de carro e ponto. Ainda estamos comendo pela beirada e os opositores a uma cidade inclusiva estão se debatendo feito afogados em um lago onde a água é a própria incoerência de seus argumentos.
No entanto, é importante aqui deixar claro aos nossos colegas do Nordeste e de todo o Brasil, o quanto eles estão (todos estamos) no caminho certo para as mudanças. É da insistência em questionar e principalmente em manter vivo o ato – o direito – de se pedalar nas ruas que vamos, pouco a pouco, avançando.
De comum, e nesse sentido, coloco como um atraso comum a todo o Brasil em nossa luta, é a falta de percepção da importância de todo e qualquer ciclista nas ruas e estradas.
Nesse cenário, uma bicicletada é tão importante quanto qualquer grupo de ciclistas noturnos, ou de famílias em ciclofaixas de lazer, ou do pelotão de speed, ou do moleque saltando rampinhas de terra ou do trabalhador deslocando-se. Existem diferenças de atitude e de conceitos em cada um desses grupos? Sim existem, mas todos estão excercendo o direito de pedalar nas ruas, praças e estradas e isso é muito importante.
Dessa forma, mais uma vez proponho um pacto para que procuremos somar essas forças e não preconceituar aqueles que por medo de enfrentar a agressividade dos motoristas – que no Recife é mesmo notável – somente pedalam em grupos, com uma bicicleta não adequada àquilo que foi determinado como bicicleta de mobilidade, trajados como “formigas atômicas” conforme disse um querido amigo durante as plenárias.
Dividir os ciclistas não leva a nada. Afinal, somos todos amantes do ato de pedalar e somente isso já é o passaporte para o envolvimento em nossa luta.
Se São Paulo tem hoje um motorista menos agressivo, é devido à cidade ser cortada todas as noites por grupos de ciclistas norturnos, desde 1988. Quando na época amigos e eu criamos os Night Biker’s, a estratégia foi inserir a bicicleta na paisagem urbana, agregar valor ao produto “bicicleta” como tecnologia, etc e tal, e com isso educarmos de forma polida um motorista que até então tinha espaço nas ruas, pois a frota era menor e os carros mais estreitos.
O principal legado dos Night Biker’s, cujo o conceito de dividir as ruas em paz foi fortemente comandado por mim na década de 90, foi a educação desse motorista minimamente tolerante, mesmo ele sendo descaradamente favorecido pelas gestões, que nas décadas seguintes, retiraram uma enorme quantidade de calçadas para as obcenas “direitas livres”, além de aumentaram a velocidade para 70km/h nas avenidas da cidade e construíram pontes e viadutos deliberadamente excluindo os modais ativos.
Mesmo assim, ou devido a isso, os grupos cresceram e multiplicaram-se, de tal forma que hoje existem mais de 40 deles aqui São Paulo, todos oriundos direta ou indiretamente dos Night Biker’s. Desde os anos 90, São Paulo convive pacificamente com uma importante quantidade de grupos de ciclistas noturnos, pedalando todas as noites na cidade e aos domingos, muito antes da Ciclofaixa de Lazer inaugurada em 2009.
Para mais avanços em nossa causa, é importante que todos os cicloativistas entendam e interiorizem a importância dessa massa crítica que pedala e que ocupa as nossas cidades em bicicletas, não importa como. Aqui, um trabalhador é tão importante quanto um cidadão de classe média ou uma criança, sendo que promover todas as mulheres destes nichos é fundamental.
Hostilizar esses ciclistas é um tiro no pé, e cabe a nós que somos mais articulad@s, equacionar como obter a adesão destes, oriundos da classe média, aptos a advogar por nós, mas que nunca o farão, pois só levam pedradas – ainda que dissimuladas – da nossa parte.
O pior preconceito é aquele não assumido e que parte de nós mesmos.
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