A objetificação da mulher: do salão do automóvel à Brasil Cycle Fair
Terminou a Brasil Cycle Fair 2015, e eu como mulher não pude deixar de reparar nos stands, ainda que poucos, que contrataram mulheres tão vistosas quanto as modelos do salão do automóvel.
Todos já devem ter ido, ao menos uma vez na vida, em uma feira de exposição de produtos. A mais famosa delas é com certeza o salão do automóvel, onde carros milionários são expostos com mulheres muito vistosas a tira colo. Muitos dos homens que visitam a feira, chegam com seus smartphones carregados para tirar muitas fotos dos carros e das mulheres.
Para alguns pode ser difícil entender o problema dessa lógica, que reforça fortemente a ideia de que carros são instrumento de conquista. Como já problematizado em uma série de vídeorreportagem sobre o empoderamento feminino pela bike, vivemos em uma sociedade onde motores almejam conquistar amores.
Por de trás dos flashs das milhares de fotos tiradas em um ambiente como o salão do automóvel, existe uma cultura de objetificação da mulher, descaradamente representada nas posturas de pé, ao lado dos carros, das gloriosas mulheres. Que nessa situação, parecem brindes caros de carros ainda mais caros.
A questão não é ter a mulher, bem como não é ter o carro. A brincadeira é almejar “coisas” inalcançáveis, que representam dentro da nossa sociedade um status quo. Assim como a própria posse de um carro, ainda que popular, representa.
Voltando as bikes, gostaria de propor a reflexão: em que nível a bicicleta dentro de nossa sociedade também representa um status quo?
Terminou nessa quarta-feira a Brasil Cycle Fair 2015, e eu como mulher não pude deixar de reparar nos stands, ainda que poucos, que contrataram mulheres tão vistosas quanto as modelos do salão do automóvel para chamar atenção para seus produtos.
Marcas com produtos mais simples, como a Naroo Mask que produz máscaras de ciclismo, chegou a treinar a modelo contratada para responder as perguntas mais básicas sobre os produtos. Mas stands maiores, como o da Levorin e da Monaco, contrataram modelos apenas para ficarem em pé distribuindo adesivos.
Mas o caso mais bizarro foi mesmo o stand da Bike Registrada, onde uma modelo foi contratada para tirar fotos com os novos registrados, que pelo preço de quinze reais estavam podendo se associar, ao invés de só se registrar.
Para os que entendem a complexidade do problema do uso de modelos em feiras de exposição de produtos, fica a fala de Renata Falzoni: “Além de reforçar o problema da objetificação da mulher, o uso de modelos associado ao marketing de bicicleta não é em nada interessante para o comerciante do setor. Diferente de carros e motos, os homens que pedalam e treinam durante horas não fazem isso com pretensões de paqueras. Fazem isso porque amam o esporte. E aqueles que são casados e recebem o “alvará de soltura” de suas mulheres para treinarem, em nada se beneficiam com a bicicleta ligada a um estereotipo de mulher.”
Além do que, não são todos os homens que aprovam essa abordagem. “A objetificação da mulher em stands de feiras, seja do automóvel, do avião ou de bicicleta, é uma maneira desnecessária, machista e sexista de promover o produto à venda.”, comprova Guilherme Tampieri, diretor da UCB – União de Ciclistas do Brasil.
Conclusão: muito mais inteligente é a marca que como a Proshock, leva seus funcionários, independente de sexo, que são incentivados a pedalar e podem compartilhar suas experiências com os produtos, do que a marca que reforça o estigma da mulher de corpo ideal. Até porque, a simpatia e o frescor de uma presença feminina está em todos as formas, cores e tamanhos.
Vale ressaltar que conversei com as modelos dos stands citados e pude comprovar o despreparo no atendimento técnico dos clientes. Despreparo que na realidade se estende para os funcionários das marcas em geral, que por muitas vezes não souberam responder a perguntas técnicas feitas por clientes mais experientes, que estão em busca do que de fato a feira deveria oferecer: especificações sobre as novas tecnologias desenvolvidas.
O universo do ciclismo no Brasil ainda precisa evoluir muito, a começar por suas feiras que pretendem ser a porta de entrada. Fora do país, feiras como essa prestam atendimentos com profissionais especializados, inclusive lindas ciclistas que são lindas porque pedalam e entendem do assunto, que estão ali para sanar dúvidas reais e não apenas para posar para fotos.