Um papo com a cicloativista Malu Brandão, que luta pela bike em Cuiabá
O cicloativismo é um processo coletivo e histórico. Desde o passado, ciclistas do mundo todo estão lutando para um cenário mais seguro, educado e favorável à mobilidade por meio de bicicletas.
No Brasil não é diferente. Aqui, a luta também é antiga e as conquistas positivas estão surgindo dia a dia.
No entanto, parte da mídia brasileira quase sempre se limita a trazer o universo do cicloativismo de regiões pontuais, como Sudeste e Sul. A força da bicicleta não está concentrada apenas em pontos específicos do país. Felizmente, ela está espalhada por todos os cantos.
Nesse sentido, trago ao portal “Bike é Legal” um pouco da história de uma ciclista muito especial, Malu Brandão, que mora em Cuiabá/MT, e que de forma competente vem ajudando a melhorar a cultura e o respeito às bicicletas no local. A região Centro – Oeste, assim como tantas outras no Brasil, também merece destaque.
Conte sucintamente sua história de vida. Como a bicicleta, juntamente com o cicloativismo, apareceram dentro dela?
Meu nome é Maria Luiza, mas muitos me conhecem como Malu desde o colégio e assim, meu apelido carinhoso adotei. Tenho 41 anos, natural de Cuiabá, filha de mineiros. Sou graduada em Publicidade e Propaganda com ênfase em Marketing e estudante de especialização de Gestão em Trânsito e Transporte com ênfase em Mobilidade Urbana. Eu comecei a andar de bicicleta desde pequena aos 7 anos, pedalando até os 16 anos. Conforme a cidade foi crescendo e ficando perigoso, infelizmente deixei a bicicleta um pouco de lado. Depois de viver em São Paulo por 10 anos, fiquei motivada em voltar a usar a bicicleta para quase tudo, trabalho, lazer, compras, sempre ou quase sempre. Então desde 2010, nasce o cicloativismo em Cuiabá, devido a cidade não oferecer infraestrutura e segurança viária ao público ciclista, foi necessário e urgente esta ação social e mobilização, a cidade estava largada e abandonada pelo poder público, um descaso total com a população em geral. Como fundadora-líder do Movimento Ciclovia Já, Acorda Cuiabá, e autora do Blog A Malu de Bicicleta, com a proposta de promover a bicicleta como meio de transporte sustentável e saudável como já consagrado em outros países e cidades brasileiras, já vem adotando.
Como é a mobilidade em Cuiabá de uma maneira geral? Há ciclovias? Como é a locomoção de carros e transportes coletivos?
Hoje, Cuiabá conta com um Governo que a população está com muita esperança e assim estamos acompanhando pontualmente suas atividades e compromisso com a sociedade, devido à má gestão de governos passados. Temos uma Carta Compromisso com a Mobilidade Ciclística de Mato Grosso assinada pelo Governador Pedro Taques, Ex-Senador da República (MT), se interessando muito pelo tema, assumindo esse compromisso. Atualmente, não passamos de 32,2 km de ciclovias e ciclofaixas, na qual considero 10 km Ciclofaixa recentemente implantada pelo Governo do Estado, 20 km de ciclofaixas abandonada e largada sem manutenção das vias, considerando-as impróprias e perigosas, precisa urgentemente de revisão, manutenção geral ou mesmo convertendo-as em ‘ciclovias’. E restando mesmo 2,2 km de ciclovia em boa escala, porém abandonada, suja, pavimentação destruída, sem qualquer cuidado e zelo, obrigado ciclista a pedalar na avenida. Temos em Cuiabá 5,85 km de Ciclofaixa de Lazer aos domingos, na qual não são seguras para população. Sendo adotada por muitos ciclistas como ‘Ciclofalsa’, e com certa razão. Sendo apenas aos domingos (como aconteceu em São Paulo), porém aqui foi implantada em uma via arterial ao lado direito da pista, disputando com os carros a velocidade de 60 km/hora, das 7 às 17 horas, atualmente sem os Agentes do Trânsito, sem policiamento, sem fiscalização, sem materiais de proteção, visual e elementos satisfatório para segurança em um domingo de lazer. (Exceto nos primeiros 2 meses, foi um show e alegria, ainda que parcialmente seguro). Esse tipo de investimento é caro, entretanto é algo muito positivo sim, é educativo e promove o uso da bicicleta, como uma escola a céu aberto, mas é necessário investimento sérios!
A locomoção dos carros e de transporte público também não é fácil por aqui, os carros se disputam o tempo todo, de quem chega primeiro em cada semáforo, correm a cada 50 metros já é necessário freiar, estão sempre com pressa e não tem respeito com ciclistas e pedestres além de correrem muito em vias não permitidas. Se o limite é 60km/h o motorista já está batendo 90 km/h o ponteiro em locais onde não há radares, fora deles já aumentam a velocidade. Já os motociclistas e uma verdadeira loucura, furam sinal e sobem em calçada, fazendo aberrações no trânsito acalorado cuiabano.
Há muitos ciclistas?
Sim, temos muitos. Foi feito um levantamento através da pesquisa Origem e Destino em 2005, registrando 54 mil viagens de bicicleta, equivalente a 7% do total de viagens feitas em todos os modos (muito mais que a média nacional que era de 2%). Segundo o Prof. Dr. Luiz Miguel de Miranda, do Núcleo de Estudos de Logística e Transporte da UFMT, este número de viagens deve ter subido atualmente para algo em torno de 70 mil viagens. Além disso, existe uma demanda reprimida que não fazem viagens de bicicleta, pois não há infraestrutura adequada, segura e atrativa na cidade, optando pelo uso do automóvel.
Há projetos de ciclovias?
Há projetos sim, e esperamos que sejam concluídos. O Governo de Mato Grosso através da Secretaria das Cidades propôs inicialmente para implantar 47 km de ciclovias ou faixas exclusivas novas, conforme prometido, e recuperar as ciclovias novas que foram construídas pela SECOPA, (Secretaria Extraordinária estadual da Copa) que está extinta, deixando assim, sem nenhum legado. Pois o que deixou, foram ciclovias aberta, incompletas, pavimento destruído, sem tratamento paisagístico e arborização local, sem nenhum cuidado. Nossa cidade é quente, 40 graus quase que diariamente, são 6 meses que vivemos em um período seco e umidade baixa. É necessário investimento inteligentes e seguros, fazendo que seja agradável pedalar e caminhar pela cidade. Também existe um projeto da Prefeitura que deve ser inaugurado em breve de 2 km de ciclovias no bairro Morada da Serra (está em andamento).
Já há ciclovias em boa escala?
Considero 2 ciclovias em boa escala: a primeira é de 2,2 km da avenida Arquimedes Pereira Lima (conforme cometei acima, na qual precisa urgente de restauração, revitalização completa). Uma segunda que considero a ciclovia da Avenida 31 de Março, localizada na cidade vizinha Várzea Grande, ao lado do aeroporto, é uma via ciclável, segredada de boa distância do veículo automotor, contanto ainda se faz necessário uma revitalização geral, incluindo principalmente arborização, paisagismo e mobiliário urbano, ao longo da ciclovia de 5,3 km.
Qual a principal dificuldade no cicloativismo em Cuiabá?
Existe uma dificuldade maior que vejo que é aquela em que você abre mão um pouco da vida particular para se dedicar a algo voluntário para um trabalho coletivo e social de bem comum. Existe pouco apoio e engajamento cívico em relação ao cicloativismo. As pessoas precisam se doar mais e serem mais ativas perante essas questões emergenciais.
O que tem que ser melhorado? Há muita resistência dos órgãos públicos ou ausência ou desinteresse da participação pública?
Houve uma melhoria parcial embora ainda muito tímida na questão de avanços e projetos colocados em prática. Por hora, falasse muito, mas ainda houve poucos resultados em prática. O que percebemos é pouco interesse ainda do Poder Público, tanto no Legislativo e Executivo.
A população de uma forma geral apoia?
Sim, de certa forma apoia. Mas ainda prevalecem o carro devido à falta de infraestrutura ciclística.
Conte um pouco do Movimento que você difunde e desenvolve em sua cidade.
O Movimento “Ciclovia Já” surgiu em 03 março de 2011, reunindo grupos de ciclistas para uma manifestação pacífica NACIONAL chamada “BICICLETADA DA PAZ” em solidariedade aos ciclistas atropelados por um motorista de forma desumana e cruel, no dia 25 de fevereiro de 2011, em Porto Alegre, chocando o país e o mundo. Esta data certamente cravou a luta de Cuiabá em prol deste meio de transporte mais democrático e sustentável. Depois vieram outras manifestações com a DMSC (Dia Mundial Sem Carro) em setembro de 2011 onde conseguimos reunir mais de 700 ciclistas na Praça 8 de Abril, um verdadeiro ato histórico marcando para sempre a força dos ciclistas e prol das melhorias e infraestrutura de qualidade para nossa cidade. Em seguida, elaboramos um Petição Pública lançada na internet em 14 de fevereiro de 2012, ‘A Lei da Bicicleta em Mato Grosso’. Depois vieram vários acontecimentos e desde então atuamos na forma de diálogo com o Poder Público, fazendo um protesto pacífico sempre de forma democrática, fazendo que sejamos ouvidos. Lamentavelmente já tivemos 3 Bike Ghost instalada em nossa cidade, e vários eventos que já participamos como Audiências Públicas, discussões, reuniões, voltados para debater assuntos sobre a mobilidade por bicicletas.
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