Diário das Magrelas: Os reis da rua
Uma sequências de acontecidos que me fizeram refletir mais sobre uma realidade que todos sentem no trânsito de grandes cidades, onde o automóvel é o modal que determina os investimentos na mobilidade.
Confesso que esse título rondou meus pensamentos por algumas semanas. Uma sequências de acontecidos que me fizeram refletir mais sobre uma realidade que todos sentem no trânsito de grandes cidades, onde o automóvel é o modal que determina os investimentos na mobilidade urbana local.
Reynaldo Berto
Os reis da rua
O primeiro acontecido me ocorreu quando voltava da produtora para minha casa e na ciclovia da Rua Barão de Limeira fui ultrapassada de maneira assustadora por uma viatura da Polícia Militar. O veículo luminoso não apenas ultrapassou o outro carro a sua frente pela esquerda, como invadiu as duas vias da ciclovia. E pasmem, tudo isso para chegar a uma ocorrência na rua de cima, onde já haviam mais três carros da PM.
O segundo acontecido foi na emblemática Ciclovia da Av. Paulista. Quando eu pedalava da Praça do Ciclista sentido a Rua Pamplona, assisti uma quase briga que não precisou dos socos de fato para machucar todos os presentes. O homem que pedalava no sentido contrário ao meu, quis desviar de um pedestre que erroneamente estava parado na via ciclística e não no bolsão destinado aos pedestres. Ao fazer essa ultrapassagem, a bicicleta do rapaz escorregou e ele quase caiu, colocando a perna no ato para se segurar. Assim que ficou em pé, o ciclista só se deu ao trabalho de puxar a bike para dentro da ciclovia e se pôs a correr em círculos atrás do garoto, gritando que ele não poderia estar ali e nitidamente tentando bater no pedestre.
Eu fiquei perplexa, e meio sem reação, a única coisa que consegui fazer foi parar enfrente a cena em companhia a uma senhora que na bicicleta fazia o mesmo do outro lado. Por fim, o ciclistas desistiu e voltou a pedalar. A cara de assustado do garoto só me fez pensar que todos os ciclistas seriam mandados ao inferno em suas palavras naquele dia e talvez, em muitos outros.
Depois dessas duas vivências, me fiz a pergunta: quem são os reis da rua afinal? Até então minha única reflexão era sobre o “respeito” mútuo, ou melhor o medo mútuo, dos motoristas de automóveis, que com receio de riscar seus carros nas latarias dos colegas, fazem algumas concessões de ultrapassagem. Mas como tudo que envolve a mobilidade urbana, essa é outra questão sobre integrantes mais ofensivos e mais defensivos do trânsito de uma cidade.
Segundo um pensador das comunicações, Marshall McLuhan, “Tudo que criamos é extensão do nosso próprio corpo; todos nossos meios de transporte são extensões dos nossos pés e os livros de nossa memória.”. Do pensamento de McLuhan, ouso ir mais além. Pilotamos nossos meios de transporte, seja ele um automóvel, uma bicicleta ou nossas próprias pernas, como acreditamos que devemos zelar pela integridade do outro. A grande questão é que existem uma série de fatores da cultura que influenciam essa condição de ser humano se locomovendo.
As pessoas que até então eram apenas ser humanos se locomovendo, tornam-se motoristas, motoqueiros, taxistas, ciclistas, pedestres e por ai vai. E como uma classe social, os conflitos vão gerando opressões e não soluções. As pessoas não se locomovem como serem humanos, mas sim, com o papel no trânsito que lhe foi dado, construído culturalmente por uma sociedade que sofre influências diretas do mercado e da mídia.