Uma visão brasileira do Velo-City 2015
O que a Europa tem a ensinar ao Novo Mundo sobre mobilidade em bicicleta? Depois de uma semana no Velo-City debates sobre inclusão social não foram destaque do menu deste grande evento.
Depois de uma semana enfurnada nas palestras e plenárias da vigésima edição do VeloCity, o mais importante evento sobre mobilidade em bicicleta do mundo, que aconteceu entre os dias 1 e 5 de junho em Nantes na França, me pergunto, será que a Europa tem mesmo o que ensinar ao Novo Mundo sobre mobilidade?
Renata Falzoni
Parte da seleção brasileira presente no Velo-City 2015
É claro que sim, afinal cidades como Amsterdã na Holanda, Copenhagen na Dinamarca, Berlin na Alemanha, todas elas apresentam cifras superiores a 30% de viagens em bicicletas, e creia-me é muito confortável pedalar por todo o continente, em especial nos países mais ao norte, de origem anglosaxônica. Com ou sem estrutura, nesses países respeita-se a vida. A velocidade nos centros urbanos é baixa, sem falar que é muita dor de cabeça envolver-se em um atropelamento. Daí os motoristas querendo ou não respeitam.
E o que a Europa tem a aprender com o Novo Mundo em especial nós latinos americanos? Muito: participação popular nas demandas, a horizontalidade de nossas manifestações e – no caso do Brasil – o envolvimento diferenciado da iniciativa privada, não apenas com patrocínio de serviços diretos, como as laranjinhas do Itaú, mas com fornecimento de dados, pesquisas e capacitação de gestores, coisa que o Itaú também faz. Isso os europeus nunca antes viram.
No Velho Continente, o Estado provê, eventualmente uma empresa patrocina, mas a população de um modo geral não participa, recebe quase que de “mão beijada”, pouco opina. No entanto as demandas são estudadas, pesquisadas e com base em dados, as quase sempre melhores soluções são elaboradas, por técnicos que antes de tudo pedalam, em uma sociedade que não tem preconceito social contra o ciclista, o caso do Brasil.
O de igual entre todos nós é aquela ladainha de sempre. Mesmo aqui investimento em infraestrutura para carros são mais fáceis do que as para bicicletas. Essa “miguelagem” é o ator em comum.
Futuro das Compartilhadas:
Na feira paralela ao evento, muitas bicicletas compartilhadas e uma declarada competição entre elas. São empresas que já disputam o mercado europeu e pretendem (como todas na exposição) expandir-se para outros continentes o quanto antes.
A evolução destas é óbvia, são as “Smart Bikes”, chipada, com gps e conectadas de tal forma, que elas não precisam de estações. Um Smart Phone as localiza, um simples cartão as libera, podendo ser pelo próprio celular. Os caminhos traçados por elas na cidade, ficam armazenadas e com isso os dados podem ser analisados para futuras pesquisas.
As Velibs de Paris agora serão também elétricas. Existe a opção do usuário trazer consigo a bateria do sistema e acoplá-la a mesa de guidão. Interessante, mas questionável. Embora o expositor jure de pés juntos que esse mecanismo não agregou peso a bicicleta, não é verdade. Existe sim um peso maior na roda dianteira, o que provoca arrasto na bicicleta. O sistema agora “penaliza” quem pretende pedalar de forma ativa. As Velibs por sinal são pesadíssimas, 23 quilos mas duram 5 anos, desde que com manutenção.
Maira Moreno Machado
Maira Moreno Machado
Compartilhadas de Paris agora serão elétricas
Inclusão Social
O lema do VeloCity deste ano era: “Cycling: future maker” A tradução seria: Pedalar: construir futuro.
Na plenária inaugural, Phillippe Cris do Forum Internacional de Transporte, alertou que o foco deve migrar das estruturas e das bicicletas, para as pessoas, o ser humano.
Isso não é novidade, mas é sim uma nova ênfase que o VeloCity anuncia, arrisco dizer que esta é uma possível porta para a entrada de um tema que esse forum jamais discutiu, o da inclusão social.
Fala-se de Direitos Humanos, de redesenho das cidades, do resgate dos espaços públicos, de qualidade de vida, de saúde, de estrutura, de tecnologia, de políticas, de dinheiro, etc e tal, muita quantidade da mesma coisa, mas a inclusão social só foi lembrada por mulheres, no caso entre as poucos palestrantes de terceiro mundo, Amanda Ngabirano de Uganda e Lake Sagaris do Chile por exemplo.
Temos um longo caminho aí e acredito que o Forum Mundial da Bicicleta poderá arrombar essa porta. Necessário lembrar que o último Forum, em Medellin, Colômbia, recebeu 6 mil ciclistas e apesar dessa grandiosidade, não foi repercutido na Europa. Leia aqui o texto de Guilherme Tampieri a respeito. O fato de ele ser organizado de forma horizontal, sem donos, líderes, ou mesmo apoio de empresas, incomoda.
Em 2016 por uma infeliz coincidência, – se é que foi coincidência – a quinta edição do Forum Mundial da Bicicleta, que vai rolar em fevereiro no Chile, coincidirá com o VeloCity. Este por sua vez foi adiantado e acontecerá em Taipei. Muito estranha essa sobreposição de datas, mas o fato é que pelo menos no ano de 2016, não haverá um espaço comum de discussão das realidades do primeiro e do terceiro mundo, pelo menos por enquanto.
Paralelo ao VeloCity, acorreu a reunião do WCA, World Cycling Alliance, o início de uma possível futura associação internacioal de entidades de ciclistas.
Entre as 100 entidades de 6 continentes temos a Transporte Ativo e o Bike Anjo do Brasil. Dos 10 membros do conselho, fazem parte o Zé Lobo da Transporte Ativo e Lake Sagaris do Chile.
Essa associação estará sob o guarda chuva da ECF, Federação Européia de Ciclistas, quem organiza o VeloCity. Caso ela vá a frente, poderá acontecer o inevitável, altas taxas de filiação e mensalidades impossíveis de serem pagas pelas entidades do terceiro mundo. Mas, pode ser que até lá a ECF se toque que, para angariar o mercado do terceiro mundo que as empresas que apoiam o VeloCity tanto almejam, há que haver inclusão de nossas idéias e participações.
Sim, há um enorme jogo político, impulsionado pelos negócios aí. Vamos a eles.