Pedalando na “velocidade do som”
A música pode ser definida como a arte do som. Ela é muita antiga, tem uma linguagem universal, quase que misteriosa. Seu poder é mágico! Ela desperta instintos e emoções em frações de segundos.
E o que dizer da junção de passeio ciclístico com música, de forma segura, integrada e reflexiva, objetivando chamar a atenção da sociedade sobre a existência da bicicleta e sua importância dentro do meio em que vivemos? Ora, isso é demais!
O Portal Bike é Legal já trouxe a relação entre música e bike em outras oportunidades. No entanto, quero aqui fazer um complemento. Trago dois passeios ciclísticos “musicais”. O primeiro, já mencionado pelo Portal em outras matérias, vem do Estado do Rio de Janeiro, e chama-se Pedal Sonoro. Nesse sentido, buscando conhecer ainda mais este projeto, iniciei um bate papo com um dos seus colaboradores, o Luiz Araújo. Posteriormente, conversei com outra colaboradora, Thais Finochio, que concedeu-me uma entrevista.Vejamos:
-Como surgiu o Pedal Sonoro ?
A cerca de um ano e meio atrás, o Luis Araújo amarrou uma caixa de som numa bicicleta, se juntou com uns amigos e começou a pedalar pela cidade de Niterói. Com o passar do tempo, o público aumentou e, consequentemente, a demanda por uma melhor estrutura também. Atualmente, contamos com quatro caixas de som que são fixadas em duas bicicletas cargueiras, um triciclo com isopor para comercializarmos bebidas não alcoólicas e rádios transmissores para nos ajudar com a comunicação dentro do passeio.
-Pedal Sonoro é um grupo, uma associação ou uma organização?
O Pedal Sonoro é um coletivo de ciclistas. Somos todos voluntários e não temos nenhuma espécie de financiamento, seja de instituições particulares ou públicas. Não objetivamos nenhuma espécie de lucro. Toda renda que conseguimos com a venda de produtos é voltada para a manutenção dos nossos equipamentos, e para aquisição de novas estruturas. Realizamos o comércio de bebidas, camisetas, adesivos, e eventualmente um ou outro produto promocional, como canecas. Também contamos com doações dos participantes. É comum passarmos “o porquinho” antes de cada evento.
-Qual é a proposta do Pedal Sonoro?
O Pedal Sonoro tem esse viés lúdico, de juntar as pessoas para pedalar enquanto ouve música, acaba tendo o papel de encorajar novos ciclistas a ocuparem as ruas. De forma descontraída, quem não tem o hábito de pedalar, acaba ganhando confiança. Eu mesma sou fruto dessa experiência: Queria usar a bicicleta, mas tinha medo dos carros, de pedalar nas vias. O Pedal Sonoro além de me mostrar que é possível pedalar nas ruas, mostrou também como se comportar dentro do trânsito. Sempre fazemos uma fala de orientação aos ciclistas de como devem pedalar, chamamos atenção para as normas do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, e distribuímos versões de bolso do mesmo. Queremos que mais gente pedale, mas queremos que pedalem com segurança e, principalmente, cientes de seus deveres no trânsito.
-Percebi que as pedaladas de vocês são temáticas. Há uma variação do artista homenageado e, consequentemente, do estilo musical. Como vocês escolhem os temas?
Geralmente as sugestões para as próximas edições são dos próprios participantes (público) ou aproveitamos a data de aniversário de algum artista para homenageá-lo. As vezes fazemos passeios temáticos. Já fizemos Pedal Brega, Pedal alertando para o Câncer de Mama, Pedal Infância (só com músicas que marcaram a nossa infância). Temos uma pegada mais “rock n´ roll”, mas tem espaço para tudo. Nossa próxima edição, por exemplo, irá homenagear a Madonna e estamos na expectativa de que a diva do pop atraia bastante gente.
-Cite os principais artistas que vocês já inseriram musicalmente nas pedaladas?
Já tivemos Bob Marley, Beatles, Jorge Ben Jor, Tim Maia, The Doors, Queen (neste último todos foram usando um bigodinho estilo Freddie Mercury). Nos pedais Pearl Jam/Nirvana teve bastante gente com camisa de flanela xadrez, numa alusão ao estilo grunge. Já no Pedal Guns N´Roses uma das integrantes acabou fazendo uma performance imitando o Axl Rose, tamanho o grau de detalhamento da indumentária!
-Qual foi a pedalada sonora mais emblemática e por quê?
Tivemos algumas edições que realmente marcaram nossa memória. A edição homenageando o Queen com todo mundo de bigode foi uma delas. A edição de Outubro Rosa em prol da conscientização do câncer de mama também. Fomos todos de rosa, ouvindo cantoras nacionais e internacionais. Este foi nosso recorde de público em solo niteroiense: 200 participantes no total. As edições Pedal Infância, Pedal de Natal e o “Carnapedal” tiveram um colorido especial. No primeiro fomos todos fantasiados com nossos “heróis” da infância, no segundo fomos de gorrinho de papel Noel e fizemos uma festa com muita comida ao final do passeio, na calçada mesmo, para comemorar nosso 1º ano de existência. Já o “CarnaPedal” foi um verdadeiro desfile de escola de samba, teve estandarte, concurso de fantasia, muito confete e serpentina.
Essas edições são voltadas para nosso público adulto, no entanto, crianças também são bem vindas. Pensando nelas, passamos a fazer bimestralmente o Pedalzinho Sonoro: um passeio apenas para crianças, dentro de um parque da cidade, no intuito de ser mais seguro. Todos no final são convidados a resgatar as brincadeiras de rua (bambolê, corda, bola, peteca, etc.). Vale dizer, que no Pedalzinho Sonoro contamos ainda com a presença de um ou mais Bike Anjo para ensinar as crianças a pedalarem sem rodinhas! As edições para os pequenos sempre são memoráveis. É como se todo mundo voltasse a ser criança. Todo mundo brinca muito!
-Há alguma perspectiva de fazer o Pedal Sonoro em outro Estado, ou em outra cidade, com parceria de grupos locais?
Legal esse pergunta! Uma outra edição memorável do Pedal Sonoro se deu justamente quando pegamos a barca que liga Niterói à cidade do Rio de Janeiro e fomos pedalar por lá. Foi nosso recorde de público com 300 participantes. Recentemente, fizemos uma parceria com um shopping da cidade que viabilizou nossa ida para a Região Oceânica de Niterói. Para quem não conhece a geografia da cidade, a Região Oceânica, assim como a maior parte da cidade, é plana. Porém, há uma pequena serra que divide a cidade e que dificulta a comunicação entre os bairros mais centrais e os bairros da área mais residencial e praiana. Ir até lá era um sonho antigo.
Não descartamos a possibilidade de fazermos um Pedal em outras cidades mais distantes. Já houve gente querendo nos levar para a Região dos Lagos no estado do Rio de Janeiro. Mas ainda tem muita conversa.
-Qual a principal dificuldade desse tipo de pedalada?
Pedalar em outra cidade demanda um estudo mais detalhado do trânsito, e da geografia, para que se estude o melhor percurso. Contudo, não chega a ser uma dificuldade. Difícil mesmo é conseguir apoiadores. Temos muitos equipamentos para serem transportados, se fossem somente as bicicletas que pedalamos no dia a dia, não seria tão complicado.
-Já houve alguma reclamação ou crítica contra vocês, por conta da música estar rolando na pedalada?
Viver em sociedade é complexo, não é mesmo? Estamos sempre lidando com diversos níveis de consciência e de humor (risos), principalmente. Já teve motorista xingando o grupo, e dizendo que lugar de bicicleta não é na rua, etc. Já houve motociclista tentando andar no meio dos ciclistas, pessoas que jogaram água pela janela, mas são exceções. Na maioria das vezes o que vemos é gente batendo palma quando a gente passa, luzes dos apartamentos piscando para dizer que a música tá boa, gente acenando da varanda, etc. Evitamos o confronto em todos os aspectos. Buscamos mostrar a importância da bicicleta para a mobilidade urbana por meio do diálogo e da diversão!
-A pedalada de vocês tem algum apoio? Prefeitura local, engenharia de tráfego, ou nenhum?
Atualmente nosso único apoio é da gráfica que imprime nossos cartazes (risos). Na verdade preferimos que seja assim. Isso nos dá liberdade para criticar o que há de errado na cidade, e fazermos nosso papel de ferramenta de transformação social sem nos atermos à questões políticas.
Cada indivíduo deve ser responsável pela sua própria segurança e pela segurança do grupo. Queremos que a bicicleta faça parte do cotidiano das pessoas. Além disso, colocar escolta não ajudará ninguém nesse sentido. É preciso que cada um se responsabilize pelo papel que exerce socialmente, que saiba de seus direitos e deveres. No dia a dia ninguém tem escolta para ir ao trabalho, não é mesmo? Fazemos nossa própria campanha de educação no trânsito.
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A segunda pedalada que quis trazer aqui é a americana Rock The Bike.
Trata-se também de um projeto que leva música à passeios ciclísticos e, algumas vezes, até bandas para tocarem ao vivo! Há discursos engajados durante o passeio, que exaltam o cicloativismo e que acabam contagiando todos os lugares por onde o evento passa!
Num dos vídeos do Rock The Bike, me deparei com a humorada banda Mafia Jazz Band tocando dentro de um passeio, ocorrido na cidade de São Francisco (Califórnia).
Em ambos os passeios citados, há grandes resultados positivo, como o surgimento de novos ciclistas, a reflexão social sobre o uso da bicicleta e, principalmente, a integração das pessoas (ciclistas ou não), por meio de um processo democrático, criativo, saudável, e regado à boa música.
Que surjam mais pedaladas assim