Você não gosta de ciclovias? A sua filha gosta!
Quanto mais vivo, mais a vida se revela cíclica. É frequente me flagrar a cantarolar músicas antiquíssimas que sempre tem a ver com fatos que se repetem em ciclos.
Nesse desafio de ser a favor das estruturas cicloviárias e do transporte público de São Paulo, sem se comprometer com o partido X ou Y, várias vezes me vem à cabeça a música de Chico Buarque “Jorge Maravilha”, que diz: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”.
O refrão aparece na cabeça certamente em resposta aos medíocres que não pedalam, não andam a pé, não conhecem o transporte público e metem-se a vociferar o que é bom para os cidadãos que não vão de carro, ou seja, a esmagadora maioria da população, enquanto eles mesmos não percebem que seus filhos nos dão razão e querem ciclovias.
O refrão da música é o seguinte:
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Ela gosta do tango, do dengo, do mengo, domingo e de cócega
Ela pega e me pisca, belisca, petisca, me arrisca e me enrosca
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Arte de Reynaldo Berto
Para burlar a censura, Chico usou o pseudônimo de Julinho de Adelaide. Dizem que a música teria sido dedicada ao general Ernesto Geisel, ditador do Brasil entre 1974 e 1979, cuja filha Amália Lucy seria sua fã.
Lenda ou realidade não vem ao caso, a real é que hoje em dia os jovens cada vez menos querem carros nas cidades. Isso é fato comprovado e acontece não apenas no Brasil, onde a indústria automobilística, por ene fatores, incluindo esse crescente desinteresse juvenil, está em queda, mesmo com todos os incentivos de IPI zero e tudo mais.
Somente neste ano foram demitidos 12 mil trabalhadores da indústria e de acordo com a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), 250 concessionárias de automóveis fecharam suas portas por falta de clientes.
Uma crise está aí, todas as vendas vão cair sim, o desemprego subir, mas independente disso, não é preciso nenhum gênio para sacar que já é passada a hora da indústria automobilística mudar o foco de seus negócios, migrar essa fortuna que já ceifou dezenas de milhões de vidas sem falar nos mutilados para outros segmentos mais rentáveis, sustentáveis e largar mão dessa pressão ultrapassada por mais carros nesse planeta.
Os números são indefensáveis. Em 2009 já morriam 1,3 milhão de pessoas por ano em “acidentes” de carro, sendo que outros 50 milhões “sobreviviam” com sequelas. A ONU decretou a década de ações para a segurança no trânsito entre 2011 e 2020, ano onde 1,9 milhões de pessoas deverão sucumbir nas ruas e estradas do mundo se nada for feito.
Portanto, estruturas cicloviárias associadas à restrição do uso do carro e à diminuição da velocidade nas ruas são algumas das ações “abençoadas” pelas leis federais do Brasil e pela ONU, tanto pelo combate a mortes estúpidas, quanto na busca de cidades acessíveis e mínimamente sustentáveis.
Mas aí vem o mimimi dos contrariados, aquela ladainha do “não sou contra ciclovia, mas…”, aí pergunto: a oposição vai de fato fazer pelo “mas”? Falar mal e derrubar é fácil, fazer é o que todos queremos ver.
Qual é a proposta dos que se opõem?
De volta a música do Chico, ela bem ilustra a situação e começa assim:
E nada como um tempo após um contratempo
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando, até quando, não, não, não
E como já dizia Jorge Maravilha
Prenhe de razão
Mais vale uma filha na mão
Do que dois pais sobrevoando
E aí vem o refrão
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Ela gosta do tango, do dengo, do mengo, domingo e de cócega
Ela pega e me pisca, belisca, petisca, me arrisca e me enrosca
Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Quem se debate na água é afogado, melhor mudar o foco da crítica, pois não vale a pena ficar chorando e resmungando, até quando, não, não, não e se você não gosta das ciclovias, tenha a certeza de que a sua filha gosta!
Até porque está provado, para que mulheres e crianças pedalem há que se ter estrutura segregada sim. Compartilhamento de ruas é fundamental, assim como rotas conectadas, exclusivas a ciclistas.