Dicas para conhecer o litoral do Uruguai pedalando
Seguindo a moda, eu e Ramon decidimos conhecer o país de Pepe Mujica, mas de bicicleta. Foram 390 km pedalados pelo litoral a partir de Montevidéu.
“Os brasileiros descobriram o Uruguai!”, me disse o funcionário de um camping em Punta Del Diablo. Ele contou que nesta última temporada 90% de seus clientes eram brasileiros, número inimaginável há poucos anos.
Seguindo a moda, eu e Ramon decidimos conhecer o país de Pepe Mujica, mas de bicicleta. Foram 390 km pedalados pelo litoral a partir de Montevidéu, passando por Piriapólis, Punta Del Este, La Paloma, Cabo Polônio, Punta Del Diablo, Santa Teresa e finalmente Chuy, já na fronteira com o Brasil.
A ideia inicial era voar de São Paulo até Buenos Aires, atravessar o Rio da Prata de balsa e começar a pedalar em Colônia do Sacramento, somando mais 177 km entre Colônia e Montevidéu. Mas perdemos o avião por conta do último congestionamento paulistano de 2014.
Pegamos então um outro voo até Porto Alegre e de lá seguimos de ônibus até Santana do Livramento, cidade brasileira que faz limite com Rivera, já no Uruguai. E de Rivera outro busão até Montevidéu, atravessando 500 km pelo coração do país – que da janela do ônibus se resumiu em uma única paisagem formada por pasto, bois e eucaliptos.
>> 1° DIA DE PEDAL <<
De Montevidéu até Piriapólis
107 km (Rambla + Interbalneária + Ruta 10)
Foi a perna mais longa da viagem, já pra destruir depois de 2 dias de overdose de carne e vinho na capital do país. O trecho começa pela Rambla (calçadão) à beira mar e depois pela Rodovia Interbalneária Gal. Liber Seregni, que é bem movimentada, mas tem bom acostamento. Sofremos um pouco por conta de um morrinhos leves temperados pelo vento contra.
Na verdade, era pra quebrar este percurso em 2 dias, dormindo em Atlântida. Mas como queimamos a largada tomando um porre em Montevidéu no primeiro dia, tivemos que tirar o atraso e seguir num embalo só até Piriapólis.
Todo o caminho é bem urbano. Por isso, eu recomendo não fazer como a gente: escolha uma data fora do calendário de final de ano, pra amenizar o excesso de carros zunindo nos ouvidos.
Ficamos pouco tempo em Piriapólis, que é uma cidade praiana pequena, mas bem movimentada. A diversão ali é passear na rambla pra paquerar, comer, beber ou fazer compras, num estilo urbano meio Guarujá, um pouco mais chique.
DICA 1: Dois dias são suficientes para conhecer Montevidéu, que tem 1 milhão e meio de habitantes. No primeiro visite o Mercado do Porto, o centro velho, a Praça da Independência e a Avenida 18 de Julho, e termine o dia assistindo ao por do sol na Rambla. Se quiser parecer um monteviano, encaixe a garrafa térmica debaixo do braço e saboreie um chimarrão enquanto pesca num mar ainda marrom por causa das águas do Rio da Prata. No dia seguinte, vá pedalando pela Rambla até a região da praia de Pocitos, a Ipanema dos uruguaios, e depois finalize na marina ou no Farol Punta Carretas.
DICA 2: Mais ou menos 15 km antes de Piriapólis saia da Interbalneária na placa para Solis e siga pela Ruta 10, que margeia o litoral num dos trechos mais bonitos da viagem. E não perca por nada neste mundo o por do sol no mar um pouco antes de entrar em Piriapólis!
>> 2° DIA DE PEDAL <<
De Piriapólis até Punta Del Este
40 km (Rambla + estrada costeira + Interbalneária)
Quarentinha pra soltar as pernas e depois cair na balada em Punta! Mais ou menos. Estavamos já colocando o capacete quando uma nuvem preta e gigantesca surgiu nas nossas cabeças, nos obrigando a esperar o aguaceiro passar.
E ele não passou! Então decidimos sair na chuva mesmo, protegendo as nossas coisas em sacos estanques de última geração (também conhecidos como “sacolas de supermercado”). Frio, vento e água gelada e ainda uma estrada fechada por conta de um rio que transbordou.
Chegamos em Punta como uvas-passas e fomos direto para o hostel. Quando tudo parecia que iria melhorar, ainda descobrimos que eu havia feito a reserva para o dia 26 de janeiro (e estávamos em 26 de dezembro). Toca ir atrás de outro hostel com vaga. Mas o que seria de nossa vida sem um programa de índio?
>> 3° DIA DE PEDAL <<
De Punta Del Este até Laguna Garzon
45 km (Rambla + Ruta 10)
Iriamos ficar mais uma noite em Punta, mas acabamos nos cansando da cidade grande logo depois do passeio da manhã. Então abrimos mão da tarde livre para as compras e caímos fora em busca de terras com menos turistas brasileiros. Fugimos do caos pela Ruta 10, passando por várias praias muito parecidas com Florianópolis entupida de carros até a tampa.
O “turning point” da viagem para um mundo mais “wild” aconteceu a partir do balneário de Buenos Aires, quando as áreas urbanas começam a ficar mais verdes e o trânsito diminui consideravelmente.
Agora sim a gente poderia estrear a barraca! Decidimos acampar à beira da Laguna Garzon, mais ou menos 1 km depois da balsa gratuita que faz a travessia num trecho onde a estrada corta suas águas. Ufa! Há vida selvagem no Uruguai! E ela vale a pena. Achamos uma sombra tão boa que conseguimos dormir até às 10 horas do dia seguinte.
>> 4° DIA DE PEDAL <<
De Laguna Garzon até La Paloma
40 km (Ruta 10)
Depois da balsa do dia anterior, a Ruta 10 se transforma em uma estrada de terra de 30 km até a Laguna Rocha. Isto porque não existe ponte ou balsa para atravessar a barra da Rocha, e os carros contornam a lagoa pelas rutas 9 e 15, estas sim asfaltadas.
Então, antes de começar a pedalar, tínhamos que tomar uma decisão: seguir pela Ruta 10 com a chance de pegar a barra aberta por causa da maré alta (ou seja, com a água do mar invadindo a lagoa e fechando a única passagem de areia) ou pedalar mais 64 km pelo caminho dos carros.
Claro que decidimos arriscar pela maré baixa. E claro que a maré estava alta, o que a gente só conseguiu constatar depois de empurrar as bikes na areia por 1 km até o ponto de passagem, que fora engolido pela correnteza.
Mas como todo espanhol é cabeça dura, o Ramon encontraria um jeito de atravessar o fluxo, nem que fosse com as bikes na cabeça e nadando cachorrinho! Não precisou de tanto: ele emprestar a boia de um banhista e fez 9 viagens (ida e volta) a nado para transportar bikes, mochilas e o diabo a quatro nela.
Em seguida, foram mais 10 km até La Paloma, cortando caminho pela beira mar, o que também não foi uma grande ideia, pois parte da estrada que aparece no mapa (perto de Santa Maria de Rocha) é areião. Chegamos a La Paloma exaustos, depois do dia mais outdoor de todo o pedal.
Pra recuperar as energias ficamos mais um dia em La Paloma, num camping bacana (La Aguada), ainda vazio quase às vésperas do réveillon. Veja outras opções de hospedagem.
DICAS: La Paloma é uma cidade pequena, um pouco mais tranquila e barata que as visitadas até então. Vale subir o farol e depois assistir a mais um por do sol no mar, o que pra nós estava se tornando uma deliciosa rotina.
>> 5° DIA DE PEDAL <<
De La Paloma até Cabo Polônio
44 km (Ruta 10 + 7 km de caminhão)
Saímos de manhã para 44 km até a entrada do Parque Nacional de Cabo Polônio, onde passaríamos a virada de ano.
Com certeza o Cabo foi o lugar mais incrível de toda a viagem. A vila, isolada da estrada por um trecho de areia de 7 km, não chega a ter 300 casas. Sem ruas, rede elétrica ou sistema de tratamento de água, o lugar é um dos últimos picos realmente ripongas da Terra.
O banho, por exemplo, é em chuveiros de balde, abastecidos pela senhora dona do hostel com água de poço, recolhida e esquentada por ela para cada um dos hóspedes, todos os dias. Tamanho simplicidade fez o Ramon se sentir num túnel do tempo, entrando em Caraíva de 30 anos atrás – a vibe lembra mesmo a vila baiana, pena que esta agora queira virar Trancoso.
Na Caraíva uruguaia também não é permitido chegar de carro ou de bike, que devem ficar estacionados na portaria do parque, sendo que o trajeto de 7 km é feito em caminhões.
Há muitos hostels e “ranchitos” (cabanas) para alugar, mas não é permitido acampar, o que nos causou um problema: não tínhamos onde dormir! Conseguimos um hostel na primeira pernoite, mas parecia que o réveillon seria bivacando na areia (tudo bem, se não estivesse chovendo canivetes).
Mas quando eu já me sentia homeless, milagrosamente encontramos um quartinho por conta de uma desistência, com cama de casal e vista para o farol. Agora só faltava comprar a ceia de empanadas de carne, regá-las à Patricia (a melhor cerveja uruguaia) e confraternizar com os hippies e simpatizantes de toda a parte do mundo.
DICAS:Acesse o Portal del Cabo para “alquiler” um “ranchito” ou hostel. E suba o farol, visite os estressados lobos marinhos e escale as escaldantes dunas móveis.
>> 6° DIA DE PEDAL <<
De Cabo Polônio até Punta Del Diablo
70 km (rutas 10, 16 e 9)
Deveríamos ter desconfiado que onde o Diabo mora seria o inferno. Pra ser honesta, Punta é legal (as dunas, principalmente), mas fora da alta temporada! Havia tanto carro e gente que deu vontade de voltar num tiro só até Polônio.
Ficamos num camping até que bem estruturado (Camping de La Viuda), mas apinhado de brasileiros tocando o tempo inteiro uma música gaúcha prima do sertanejo universitário, de gosto duvidoso. Tive que dormir com protetor auricular. Ou seja, não tenho muito pra contar sobre o inferno. Mais fácil acessar o Portal del Diablo.
O pedal em si foi longo mas tranquilo, por três rodovias seguras, mesmo com trânsito. Pedalamos quase o tempo inteiro com chuva, mas como o vento estava a favor, a perna for rápida. Na região de Castilhos há uma serrinha, com o ponto mais alto a 45 metros de altitude.
DICA: Eu não fui, mas se tiver tempo livre, dê uma esticada até Laguna Negra antes de entrar em Punta.
>> 7° DIA DE PEDAL <<
De Punta Del Diablo até Santa Teresa
4 km (Ruta 9) + uns 20 km dentro do parque
A entrada do parque nacional é pertinho do Diablo, mas você vai rodar mais uns 20 km dentro de seus 3 mil hectares, para conhecê-lo. Ali fica a imponente Fortaleza de Santa Teresa, construída pelos portugueses em 1792 para se proteger dos espanhóis, além de bastante área verde (com campings) e belas praias.
DICAS: Apesar de ser obrigatório pagar 3 dias de estada mínima nos campings, em 2 dias dá para conhecer de bike todo o parque, seguindo o roteiro sugerido no mapa deles – não deixe de visitar o jardim botânico, com plantas dos cinco continentes. Mas pra variar fuja da alta temporada, quando os campings ficam impraticáveis – apesar de o parque ser administrado por militares, estes fazem vista grossa para a balada generalizada que os campistas armam à noite, aumentando no máximo o som no porta-malas de suas carangas (desta vez, nem os meus protetores de ouvido funcionaram!).
>> 8° DIA DE PEDAL <<
De Santa Teresa até Chuy
40 km (Ruta 9)
Pedal tranquilo e sem grandes atrativos pelo acostamento até Chuy, cidade meio uruguaia, meio brasileira (Chui), onde o programa é gastar nos free-shops. Dali pegamos um ônibus até Pelotas (4 horas) e outro até Porto Alegre (mais 4 horas), com as duas passagens compradas na hora sem problemas, mesmo nesta época do ano. E depois de um dia livre em POA, voamos de volta para a metrópole e à realidade da vida.
Você precisa saber:
- Pague as refeições com cartão de crédito, pois assim você terá, na hora da transação, um desconto de 18% referente a um imposto local (só vale para restaurantes).
- R$ 1 (um real) vale mais ou menos UYU 9 (nove pesos uruguaios). Muitos estabelecimentos aceitam real ou dólar, mas têm horror ao peso argentino por causa da flutuação montanha-russa da moeda hermana.
- Os uruguaios são meio alemães no comércio: não gostam de mimimi do cliente no balcão. Por isso, seja objetivo na hora de escolher e pedir.
- Sem chuva a gente não passou frio nesta época do ano, mesmo à noite no mato. Mas pedalamos 2 dias debaixo d’água, quando o anorak e mais uma blusinha térmica fina caíram muito bem.