Gestão Pública e Mobilidade : A difícil tarefa de transformar planejamento em fato
O desconhecimento do termo "mobilidade" é um dos principais problemas para o planejamento, tanto para os encarregados de tal tarefa, desprovidos de informações, quanto para a própria sociedade.
O desconhecimento do termo “mobilidade” é um dos principais problemas para o planejamento, tanto para os encarregados de tal tarefa, desprovidos de informações, quanto para a própria sociedade.
Por essas e outras que até o presente momento o pedestre não é considerado, pelos órgãos públicos de mobilidade, um elemento inerente ao trânsito e à mobilidade, constituinte de ambos, influenciador de ambos e influenciável por ambos, ainda que este personagem conste claramente do texto explícito dos artigos do CTB – Código de Trânsito Brasileiro (Lei Nº 9.503, de 23 de Setembro de 1997), que definem, sem retoques ou metáforas, que o trânsito inclui o movimento de pessoas a pé e em veículos, nas calçadas e no leito carroçável. Transcrevo, por ora, o que supracitei:
Art. 1° O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se para este Código.
§ 1° Considera-se trânsito a utilização de vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga e descarga.
Art. 29 O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá as seguintes normas:
§ 2° Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em orem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos pela incolumidade dos pedestres.
Um fato corriqueiro, presente por infelicidade no senso comum do brasileiro típico, é a capacidade de “achar”, pior, agir como se de fato soubesse muito sobre mobilidade. Existe uma “fantasia” dentro do imaginário (senso comum), que essas elucubrações nada constroem dentro da mobilidade. Determinantemente, ao contrário, atrapalham o desenvolvimento do planejamento à ação.
REPRODUÇÃO
Gestão Pública e Mobilidade, por Glauston Pinheiro
Grande parte desses “achismos históricos” ocorrem dentro dos órgãos públicos, exatamente de onde a concepção do planejamento deveria estar amadurecida com propriedade, permitindo implantações conscientes, eficazes e eficientes.
O imediatismo atrelado aos resultados das implantações é recorrentemente cobrado pela população, sem que se perceba, que trata-se de uma transformação de hábitos e posturas de respeito há muito enraizada no ser humano. Não necessariamente um plano de mobilidade, principalmente o cicloviário, seja algo 100% funcional para uma geração imediata. Em muitos casos são planos a serem desenvolvidos durante anos, até que se concluam as etapas-processos e se alcance o objetivo final.
A moda da “mobilidade sustentável” é explorada por muitos nichos da sociedade sem o real objetivo de somar questões e soluções de importância ao tema. A utilização do termo se restringe a propaganda ou ao falso interesse no assunto. Descobriram a pólvora! O assunto dá credibilidade, e pasmem, votos. E assim, cada vez mais nos resta permanecer mergulhados numa diferença abismal em relação aos países que levam o assunto como política pública de execução.
Outra questão, se dirige aos poucos técnicos que possuem condições de desenvolver trabalhos de mobilidade sobre bases estruturadas, seja no Brasil ou fora dele. Sabemos que existem técnicos capacitados que não são contratados e que estão atuando distantes da cena. Isto se agrava ainda mais por se patente a emergência de transformar a mobilidade em um tema transdisciplinar, envolvido na construção e revisão de seus próprios conceitos (arcabouço teórico ainda incipiente), atraindo outros atores de disciplinas distintas, os quais cooperem com os técnicos especialistas (urbanistas e engenheiros) na sistematização dos dados e no aprofundamento dos olhares sobre a mesma “cidade” ou sobre o mesmo “cidadão”.
Dentro da engrenagem da estrutura governamental se faz urgente a mobilização dos órgãos públicos com o objetivo de difundir e fortalecer tal trabalho, dando, além de credibilidade, incremento ao desenvolvimento da mobilidade enquanto política, ação educadora-includente e geradora de oportunidades, indistintamente. Trata-se da unificação de um objetivo comum, que fortalece internamente, proporcionando melhor base para o trabalho na sociedade.
Ao consultar técnicos que atuam na área e já implementaram trabalhos de sucesso ou não, além de estudo de casos realizados no Brasil e exterior, os organismos públicos e seus gestores acessarão conhecimentos fundamentais para a criação de parâmetros de avaliação, lembrando sempre de que não há fórmula única de implantação. Cada caso é um caso. O que funcionou em uma cidade pode se tornar um fiasco em outra. A estrutura de cada cidade solicita um tipo de estudo, avaliação e implantação diferenciada.
Não há lugar para amadores. Ter, concretamente, uma estratégia para um planejamento técnico é fundamental para o sucesso das ações. É preciso ter mais que uma visão à frente de todas as possibilidades, é preciso ter uma estratégia, para antever e antecipar possíveis falhas e, principalmente, ter em vista a requalificação dos projetos a partir das transformações sofridas pelas cidades com o decorrer do tempo. Tais procedimentos apontam para o sucesso de uma implantação a longo prazo, observando os períodos de “maturação”, entendimento e respeito.
Vale atentar para o fato de que uma avaliação de sucesso ou fracasso de uma implantação não deve ser imediata. Entendemos que exista um “tempo” de amadurecimento da mesma.No tocante às pesquisas e contagens, destaca-se que elas são as bases das diretrizes de uma implantação centrada na realidade local. A quantidade de pesquisas e contagens em pontos de grande fluxos, refinam os resultados finais, e por fim, o material de justificativa para possíveis questionamentos, principalmente públicos, de grande visibilidade. Trata-se de uma boa oportunidade para expor as necessidades e justificativas à população em geral. Educa-se quando se apresentam dados obtidos de acordo com técnicas e metodologias. E desta forma, enfim, se conquista a credibilidade do usuário, da população.
A representação gráfica possui dois momentos distintos. Uma para apresentação da visão geral para o grupo técnico de planejamento e outra para as equipes de execução, onde existe a necessidade maior de detalhes executivos, principalmente no que se refere à sinalização horizontal, vertical e aérea.
Orientamos que implantações não devem ocorrer dissociadas de campanhas educativas junto à população. Existe a campanha pontual, onde há a implantação e outra voltada para toda a população de uma forma mais abrangente, alcançando o objetivo de todo o trabalho e demonstrando os resultados finais.
É de fundamental importância manter uma equipe no monitoramento. Esta equipe tem a importante missão de sinalizar mudanças estruturais, não somente nas implantações, mas em toda a cidade. Tal trabalho irá demonstrando as novas necessidades relacionadas a tudo o que abranja ou contemple os objetivos da implantação. Este monitoramento é baseado na observação, análise e reinterpretação das interfaces existentes.
O monitoramento é uma necessidade emergencial em cujo ambiente acadêmico/científico apartidário (de preferência) se desenvolvam, criteriosamente, pesquisas que dialoguem com a realidade estudada e queiram transformá-la dentro de uma nova perspectiva.
Cada vez mais a mobilidade vem sendo discutida no Brasil, algo que já ocorre há anos em outros países, até mesmo nos menos desenvolvidos e vem sendo cada vez mais alvo e interesses políticos. Tornou-se uma espécie de moda. É um tema atual, bonito, simpático, tanto quanto sustentável, manter o assunto “à baila”.
Um plano de mobilidade torna-se impossível sem que haja a questão política, mas é necessário de que seja levado a sério, como de fato o é, pois trata-se de um assunto que impacta a sociedade com proporções geométricas de ordem socioeconômica, ambiental, cultural e, até mesmo, simbólica.
Estamos falando de segurança e qualidade de vida. É um fato. A questão é a forma como vem sendo utilizada e explorada tal temática pela classe política. Hoje a mobilidade tornou-se um mote político sem um objetivo concreto de realização real de seus propósitos mais básicos já citados anteriormente.
Quase todas as notícias de mobilização nesse sentido não saem do discurso raso, alienadas à verbas que serão “destinadas,” projetos mirabolantes que irão transformar esta ou aquela cidade na mais ciclável, mais sustentável, etc, ou seja, um conjunto midiático de falácias que ganham a cada minuto maior descrédito por parte do incomensurável público, a quem se deveria dirigir os resultados de um planejamento sério.
Mesmo que haja interesse legítimo do gestor, outro problema é a máquina. As secretarias, que foram despedaçadas entre inúmeros partidos políticos de interesses distintos, emperram direta e indiretamente o desenvolvimento do trabalho. Não colaboram e até atrapalham.
Um trabalho de mobilidade realizado com o apoio e empenho de todas as secretarias tornar-se-á a mola mestra para uma grande mudança de paradigma no país.
Na frente que busca a legitimidade da bicicleta como meio de transporte, há uma luta infinda em sensibilizar políticos para o movimento, até tentando ou provocando-os a se tornarem ciclistas.
Talvez isso seja um erro. Acredito que a questão da mobilidade por bicicleta tem mais chances de ser turbinada quando um ciclista nato se transformar em político, e nos caberá rezar que este não se renda ao sistema!
A Lei da Mobilidade Urbana esbarra em muitos dos problemas já citados, como por exemplo a falta de mão de obra capacitada para realizar os planos. Mais ainda, até mesmo a tarefa de “entender” e preencher a documentação necessária para viabilizar o acesso à verba torna-se um obstáculo.
Como um município de 500.000 habitantes, com sérios problemas de mobilidade, pode participar do processo se não tem quem o faça? Outro ponto importante a ressaltar é que o fato de que possuir 500.000 habitantes não significa necessariamente que a cidade seja de grande área territorial. Pode se tratar de uma concentração humana, que gera tal problema, igualmente.
Poucos dos planos enviados pelos municípios ao Governo Federal podem não ter sido aprovados por inconsistência de informações, falhas de projeto e erros diversos.
Isso mostra o quanto precisamos repensar e crescer neste aspecto. Há uma urgência na formação de técnicos que atendam a demanda das cidades, mesmo as mais distantes e não só as metropolitanas.
Inúmeros projetos com grande poder de impacto estrutural, em algumas cidades, já estão afetando as cidades vizinhas, que não estão preparadas, estruturalmente e tecnicamente para a mudança radical da mobilidade local/regional.
Esse fator não está sendo avaliado nos planos de mobilidade das cidades. Isso mostra que qualquer plano de mobilidade, em muitos casos, deve ultrapassar os limites do municípios, atingindo outros. Muitas cidades causam impactos diretos em outras. Cidades dormitórios provocam uma “invasão” nas cidades vizinhas que oferecem mais empregos. Existe uma conurbação entre municípios que precisa ser estudada e levada em conta nos planejamentos de mobilidade.
Não se tratam de cidades independentes. Estamos falando de um “sistema”. E toda a mobilidade do país depende diretamente do “entendimento” deste sistema.
Decifre-o ou seja devorado por ele.