A ciclovia aérea de Londres é uma boa solução?
O projeto de ciclovia aérea de Londres - a SkyCycle - volta à mídia mais de um ano depois, recebendo aplausos de alguns e vaias de outros. Mas por que a polêmica?
O projeto de ciclovia aérea de Londres – a SkyCycle – volta à mídia mais de um ano depois, recebendo aplausos de alguns e vaias de outros. Mas por que a polêmica, se o projeto tem o objetivo de aumentar a segurança dos ciclistas ingleses?
Quando a proposta começou a ser divulgada, em setembro de 2012, cheguei a publicar minhas considerações, esclarecendo por que sou contrário ao projeto. Mas vou analisar a questão à luz das novas informações.
A SkyCycle é um sistema de ciclovias aéreas, com 221 quilômetros de extensão total, divididos em dez ramais. Pela proposta atual, as vias serão construídas sobre linhas de trem existentes, a uma altura equivalente a três andares. Haverá 201 pontos de acesso, o que significa que haverá um a cada pouco mais de um quilômetro, em média. O sistema completo levará 20 anos para ficar pronto e o primeiro trecho, com cerca de 6 km, custará a bagatela de £ 220 milhões (quase 800 milhões de Reais).
Foster + Partners
A vantagem do sistema é óbvia: os ciclistas serão protegidos do tráfego motorizado e não terão interrupções em seu trajeto, como semáforos e travessias de pedestres. Será útil principalmente para os que fazem longas distâncias, deslocando-se dos subúrbios ao centro diariamente. Mas tenho várias razões para não dar muito crédito a essa proposta.
O primeiro ponto que me incomoda é a falsa premissa de que não há espaço para os ciclistas nas ruas, estimulando o entendimento equivocado de que as bicicletas devem ser retiradas do caminho dos carros, para que eles possam continuar fluindo sem “obstáculos” que coloquem os motoristas sob o risco de matar alguém (note a inversão de responsabilidades).
O conceito que isso trará será prejudicial aos ciclistas quando precisarem sair da SkyCycle, pois haverá a tendência crescente de serem vistos como intrusos em um espaço que também é seu por direito, como um trem que circulasse fora dos trilhos. As agressões de motoristas tenderão a se intensificar. Esse é um ônus advindo de qualquer projeto cicloviário baseado unicamente na segregação. Por isso sempre reforço que a base deve ser a cultura de ciclismo veicular, de aceitação da bicicleta em meio aos demais veículos, para em segundo plano ocorrer a segregação em vias críticas – e apenas nelas.
Essa visão é compartilhada por alguns ciclistas londrinos, como Mark Ames, do blog ibikelondon. Mark critica ainda o custo do projeto e o tempo que ele vai durar. Me faz lembrar muito de propostas mirabolantes de pontes milionárias e ciclovias fantásticas aqui do Brasil, que não saem do papel, principalmente no que diz respeito ao custo.
A distância entre os acessos também me preocupa. Se você for fazer uma viagem de, digamos, três quilômetros, você a aumentaria em cerca de 1 km (30% a mais de esforço e um tanto a mais também em tempo, sem contar a subida para acessar a via) para aproveitar os benefícios da SkyCycle? Ou seguiria pelas ruas mesmo? Some-se a isso o fato de que será cobrado pedágio, uma informação que foi ësquecida”nas notícias mais recentes. A divulgação original feita em 2012 informava que seria cobrada £ 1 (aproximadamente R$ 3) para uso da ciclovia aérea.
O site britânico Lo Fidelity Cycle Club aponta ainda outros problemas, como as desapropriações necessárias para fazer as 201 entradas, o acesso para veículos de emergência em caso de acidentes, a diminuição de investimentos em sistemas de deslocamento em solo (ciclofaixas e ciclovias convencionais), a segurança em relação a vandalismo e roubos, o prejuízo para o comércio com a diminuição dos clientes que hoje passam pedalando em frente às lojas, a culpabilização dos ciclistas que forem atropelados nas ruas (já que deveriam estar na “cicloestrada”) e, por fim, o inclemente clima londrino, com os ciclistas mais expostos a frio, vento e chuva.
Ainda me parece que a ciclovia aérea tem como objetivo secundário ajudar o londrino adepto da bicicleta como transporte. Tenho a forte impressão de que tentam lucrar com as mortes de ciclistas na cidade apenas para emplacar um projeto milionário, que vai dar dinheiro para muita gente e alavancar a imagem de arquitetos e projetistas que, aparentemente, têm o nobre objetivo de salvar vidas – custe o que custar. Espero sinceramente estar equivocado.