Aqueles professores malucos e suas bicicletas
Dizem por aí que alguns professores não usam carro nem ônibus pra chegar até a escola. Eles também não utilizam táxi, não pedem carona e nem vão a pé. Seria isso um absurdo? Como fazem para dar aulas?
Dizem por aí que alguns professores não usam carro nem ônibus pra chegar até a escola. Eles também não utilizam táxi, não pedem carona e nem vão a pé. Seria isso um absurdo? Como fazem para dar aulas? Será que encontraram outra alternativa de transporte até seus respectivos locais de trabalho?
Mas é claro que sim! Mesmo às vezes sendo chamados de excêntricos ou malucos, existem profissionais do ensino que utilizam a bicicleta como meio de transporte. Aproveitei este dia dos professores pra trocar ideias com alguns deles, conhecer um pouco suas realidades e saber o que pensam sobre educação.
Rex
Projeto Bicicleta e Mobilidade Urbana criado pelos professores Marco Augusto e Newton Santos.
Começando comigo
Bom, além de ter a felicidade de fazer parte da Equipe do Bike é Legal e utilizar a comunicação para demonstrar a importância da bicicleta nas cidades, minha outra atividade também enche meu coração de alegria! Adivinhe só: sou professor aqui em São Paulo (SP). Isso mesmo, tenho a oportunidade de ensinar e aprender com as crianças o tempo todo, e como isso é maravilhoso! Não preciso nem dizer que sempre vou de bicicleta até a escola, né? Muitas vezes quando eu chego e vou estacionar a bike, algumas crianças se aproximam e perguntam coisas sobre ela. Também perguntam por que motivo estou sempre pedalando e se eu eu não tenho medo. Alguns alunos já perguntaram se eu sou maluco.
É sempre uma ótima oportunidade poder responder, questionando padrões e comportamentos, além de falar das alternativas sustentáveis que podemos escolher em nossa vida . E assim, aos poucos, a ideia da bicicleta como meio de transporte vai ficando mais próximo da realidade deles.
Enquanto isso na ciclovia…
Se você estiver pedalando na Ciclovia do Rio Pinheiros num dia de semana, talvez encontre a turma do professor André Mascaro Peres, de 39 anos. Um de seus projetos é uma saída para observar e estudar a cidade de São Paulo.
“Fazemos assim: pegamos o trem, depois seguimos pela ciclovia observando e discutindo temas como a urbanização, ocupação do espaço, sistemas de mobilidade urbana, usuários da ciclovia, tipos de moradia e submoradia da região, uso das águas da cidade, poluição do rio, diferenças e semelhanças entre centro e periferia, etc. Conhecer a cidade e estudá-la de bike é algo muito importante e diferente pra eles e pra mim”, diz o docente.
André, que pedala desde seus 15 anos, é professor de geografia no Colégio Ítaca em São Paulo e na escola Granja Viana em Cotia. Utiliza a bike como transporte para ir até o primeiro local. Já para chegar em Cotia, prefere não pedalar na Rodovia Raposo Tavares pela falta de segurança.
Acervo pessoal André Mascaro Peres
O professor André Mascaro Peres num estudo sobre a cidade na ciclovia em SP.
Ele conta: “Percorro 10 km entre minha casa, na Vila Madalena e a escola, na Av. Eliseu de Almeida. Faço esse trajeto em cerca de 25 a 30 minutos. O percurso é bem plano e tranquilo, menos no trecho da Eliseu, que as vezes assusta. O piso é muito irregular e alguns motoristas não são amistosos. Procuro fazer amizade com os motorista de ônibus, e fico me perguntando sempre, onde está a ciclovia da Eliseu?”
Para André, os professores de hoje são muito heterogêneos. “Tem uma turma mais antiga que se contenta com os meios tradicionais de ensino, outra porém é mais atuante e traz inovação para a sala de aula. Me vejo mais dentro deste segundo grupo. Se posso dizer algo sobre educação é isso: seja um eterno incomodado. Nunca ache que já está suficiente. Sempre queira, sempre faça mais.”
Que sua prática seja sua palavra
Já o professor Felipe Yañez, dá aulas na Escola Municipal de Educação Fundamental – Paulo Carneiro Thomaz Alves, na zona norte da cidade de São Paulo. Sua casa e seu local de trabalho ficam próximos, mesmo assim muitos colegas o chamam de louco ou excêntrico. Por outro lado, alguns dizem que fariam a mesma coisa que ele, utilizando a bike como transporte, se morassem mais perto.
“O carro em nossa sociedade é visto como sinal de status e adoração, totalmente ligado ao modelo capitalista que vivemos. Chegar na escola de bicicleta é uma forma de resistência a isso, além de mostrar que outra forma de viver é possível”, me conta Felipe. Ele acredita que o professor é sempre um exemplo para as crianças e adolescentes, e ficou feliz ao contar que a autora da foto abaixo foi uma aluna sua. Karola Churra fez o registro fotográfico em frente à escola. “Como dizia o pedagogo Paulo Freire, que sua prática seja sua palavra’, finaliza Felipe.
Karola Churra
Professor Felipe Yañez chegando de bike na EMEF Paulo Carneiro Thomaz Alves em SP.
Projeto Bicicleta e Mobilidade Urbana
Em maio deste ano, tive a oportunidade de acompanhar os alunos do 1º ano do Ensino Médio do Colégio Miguel de Cervantes em São Paulo na ciclovia da Faria Lima (primeira foto deste texto, lá em cima). Esta era a segunda saída deles para pedalar, atividade integrante do Projeto Bicicleta e Mobilidade Urbana, criado pelos professores Marco Augusto e Newton Santos.
Com atividades em sala de aula e vivências na rua, a ideia do estudo ciclístico é proporcionar reflexões, questionamentos e discussões sobre a mobilidade atual da cidade e o papel da bicicleta neste contexto. Veja como ficou a bikerreportagem.
Os ciclistas passavam e eu ficava
Ele começou a pedalar na infância, mas depois parou. Hoje tem 31 anos, e retomou as pedaladas em 2011. Clayton da Silva de Souza é professor de Educação Física na Escola de Educação Infantil Catavento, em São Paulo. Se sente mais disposto por usar a bicicleta como transporte, além de ganhar tempo para preparar suas atividades.
Quando Clayton ia de ônibus, era desconfortável, e pela janela do coletivo observava os ciclistas que por ele passavam. Depois, resolveu ir a pé e percebeu que gastava o mesmo tempo que o transporte público. Já era bem melhor, mas ainda assim as pessoas pedalando passavam, e ele ficava pra trás. Isso o motivou a arrumar uma bicicleta velha que tinha em casa e então começou a ir pedalando para o trabalho.
“Comecei a economizar tempo e dinheiro, além de melhorar as minhas capacidades físicas. Gasto 20 minutos no trajeto de 8 km. A pé, eram 55 minutos e de ônibus, entre 50 minutos a 1 hora”, fala o professor. Ele me conta que alguns colegas acham que é loucura, e dizem que é muito perigoso. Outros falam que se pudessem iriam de bike também. E os alunos acham o máximo! Até pedem para os pais pra irem de bike igual o professor.
Acervo pessoal Clayton da Silva de Souza
Atividades de aventura na escola, com o professor Clayton da Silva de Souza.
“Na minha opinião, a educação de uma forma geral, está ultrapassada. Muitos professores não tem mais motivação para trabalhar e se acomodaram, independente da parte política que sabemos que não valoriza a classe. Acho que uma renovação iria ajudar bastante”, diz Clayton.
O novo século chegou!
Para o professor de matemática de 35 anos, Silvio Tambara, o que une a bicicleta com a educação é a coerência. Ele acredita que não adianta lutar por um mundo novo, propondo novas ideias e atitudes, se continuar vivendo uma vida que hoje é um estorvo. “A escola e o trânsito são dois aspectos de uma sociedade que vive a tensão entre a vida que se vivia no século passado e a vida que queremos, podemos e precisamos viver nesse novo século” ele diz.
Silvio é docente no Colégio Ítaca e na Escola ALEF em São Paulo, atua nos ensinos fundamental e médio, e seus alunos acham legal quando ele vai de bike. Alguns até começaram a ir de bicicleta também para assistir às aulas. Já uma parte dos colegas de trabalho, fica curiosa e acha excêntrico o que ele faz.
Quando criança, a bicicleta era um dos seus brinquedos favoritos. Era o brinquedo que levava mais longe. Depois de um tempo parou de pedalar, mas voltou a usar a bike em 2005 para fugir dos congestionamentos. Ele chega mais rápido, não tem que procurar nem pagar por estacionamento e é menos estressante. “A principal influência da bike na minha profissão é o convívio com o espaço público e o consequente contato com as pessoas na rua. É uma aula de democracia, paciência, respeito e solidariedade”, diz Silvio.
Acervo pessoal Silvio Tambara
O professor Silvio Tambara no pedal com sua magrela.
E sobre a questão da educação, Silvio afirma: “A formação dos professores varia muito. Existem professores que escolheram a profissão por amá-la e existem os que escolheram por não ter coragem para algo, entre muitas aspas, maior. Existe muita gente encostada na profissão. O que é estranho, porque é uma profissão muito exigente e que paga pouco.”
Mais professores e projetos
O professor de filosofia Eduardo Emmerick dedica seu tempo livre para ensinar o que sabe sobre bicicleta para ciclistas novatos de todas as idades e classes sociais em Curitiba (PR). Atividades e passeios fazem parte da sua contribuição para um mundo melhor.
Claro que não posso deixar de lembrar do pessoal do Bike Anjo, ciclistas voluntários que ajudam ciclistas iniciantes em várias cidades do Brasil. Além de participar da Escola Bike Anjo, você pode solicitar apoio nas pedaladas no seu bairro ou no trajeto de casa para o trabalho por exemplo. Os companheiros de pedal deste projeto, são sempre muito felizes e responsáveis. Recomendo!
Pra finalizar, vale citar também o Emmanuel Nocolin, aquele professor da cidade de Vitória (ES) que pedala 45 km todo dia pra chegar na escola e dar aulas. Uma equipe de reportagem local (que estava de carro) mal conseguiu acompanhá-lo, hehe.
Boas pedaladas e bons estudos!
Um abraço do Rex.