Libertem nossas crianças
Em um mundo em que os pais têm cada vez menos tempo para os filhos, esse tempo deve ser valorizado e muito bem aproveitado. E, sempre que possível, ampliado.
Em um mundo em que os pais têm cada vez menos tempo para os filhos, esse tempo deve ser valorizado e muito bem aproveitado. E, sempre que possível, ampliado.
Muitas crianças das grandes cidades, principalmente as de classe média, vivem hoje em “bolhas” de proteção. De dentro do apartamento entram no elevador, do elevador entram no carro, do carro entram na escola. Da escola entram novamente no automóvel, voltam para dentro de casa. O lazer de muitas se resume ao playground do prédio ou o quintal de casa. Quando “saem”, entram no carro, para já sair dentro do shopping.
Essas pequenas pessoas, responsáveis pelo nosso amanhã, passam quase toda a infância em ambientes fechados, sem aproveitar uma tarde de sol, sem ouvir o som dos pássaros, sem correr (e pedalar) livremente e sem preocupações. A elas, o mundo “aberto” passa a ser algo que deve ser evitado, pois é perigoso. Quase uma agorafobia.
Também vivem isoladas umas das outras, em um mundo bastante limitado, principalmente em termos de experiências sociais. Convivem apenas com crianças parecidas com elas, que tenham o mesmo estilo de vida e a mesma situação econômica e cultural. Não experimentam os sabores da diversidade, não aprendem a tolerância, não descobrem outras realidades de vida e terão dificuldades para compreendê-las e aceitá-las quando adultas.
Outra consequência acaba sendo a falta de exercício físico que, quando muito, acontece na escola, nas poucas aulas de educação física. Associado à má alimentação, o sedentarismo leva à obesidade infantil e problemas de saúde. Segundo o IBGE, o sobrepeso atinge mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de idade. A obesidade já é considerada hoje uma doença crônica, que pode causar vários outros males e acompanhá-las por toda a vida.

Mude o presente, melhore o futuro
Boa parte da causa do problema é a maneira como construímos nossas cidades no último século, planejando-as para o uso de veículos motorizados e tirando das pessoas o direito ao uso da rua. Não nos sentimos seguros deixando nossas crianças sozinhas nas ruas em grandes cidades, onde há automóveis em alta velocidade passando logo ali ao lado da escassa e inadequada calçada.
Mudar essa situação depende não só de nossas escolhas nas eleições, mas também de pararmos de sermos omissos quanto à condução das políticas públicas. Temos que participar mais das decisões, ter mais contato com nossos representantes, cobrá-los diretamente quando erram, apoiá-los quando acertam, ajudá-los quando precisam decidir. E até usar o Ministério Público para nos defender quando tudo mais der errado. É preciso esquecer a ideia de estado paternalista, parar de reclamar no canto da sala como um adolescente mimado e se acostumar com a realidade de que precisamos participar ativamente das decisões da cidade, do estado e do país.
Mas não precisamos esperar para dar uma vida mais alegre – e instrutiva – a nossas crianças. Devemos, desde já, passar mais tempo com nossas crianças, levá-las a locais abertos (nem que seja para dirigir com elas no carro até um parque) onde possam correr e pedalar livremente, sair à pé com elas na rua, deixar o carro em casa e usar o transporte público de vez em quando, levá-las a lugares onde encontrem crianças de outros bairros, cidades, ou mesmo de outros extratos sociais, estimular o contato, a conversa, a amizade espontânea e brincadeiras físicas como jogar bola, andar de bicicleta, skate, patins, ou mesmo as mais simples e tradicionais como a de esconder.
Precisamos apresentar a vida em toda sua diversidade e beleza para nossas crianças. Afinal, nosso futuro depende delas.