Bate papo sobre o VeloCity 2013, com Zé Lobo e Renata Falzoni
No bar e bicicletaria Las Magrelas em São Paulo, Renata Falzoni, aqui do Bike é Legal, e Zé Lobo, da Associação Transporte Ativo, contaram um pouco da experiência de participar do Velo-city 2013.
No bar e bicicletaria Las Magrelas em São Paulo, Renata Falzoni, aqui do Bike é Legal, e Zé Lobo, da Associação Transporte Ativo, contaram um pouco da experiência de participar do Velo-city 2013, que ocorreu no mês de junho, em Viena. O Velo-city é uma conferência internacional de planejamento cicloviário, que reúne anualmente milhares de especialistas de todo o mundo.
Silvia Ballan
Zé Lobo, Aline Cavalcante e Renta Falzoni, no bate papo sobre o Velo-city 2013.
“Lá estão juntas todas as pessoas que pensam bicicleta no mundo, desde o ativista que acabou de começar até aquele que está há 40 anos na luta”, conta Zé Lobo, que participou do evento pela quarta vez, e a cada edição fica mais surpreso e aprende mais. Falzoni, que participou pela primeira vez, percebeu a grande distância que estamos de valorizar a vida nas ruas. “O pessoal por lá conjuga grego, mas o Brasil ainda está aprendendo o alfa e o gama”, compara. “O que a gente imagina no futuro, lá já existe”, completa Zé Lobo, “mas há esperanças de um dia aqui ser pelo menos parecido com o que a gente pôde viver e pedalar por lá”.
Dificuldades em comum
Um problema em comum conosco, percebido por Renata, é a dificuldade para baixar a velocidade dos carros, um tabu para eles também. A diferença é que lá querem diminuir a máxima de 50 para 30 km/h nos centros urbanos, enquanto aqui ainda brigamos pelos 50.
Outra dificuldade em qualquer lugar do mundo é a retirada de espaço dedicado aos carros, incluindo vagas de estacionamento. E os gestores costumam dizer, ao menos informalmente, que isso tem que ser feito rápido, para minimizar o tempo de conflito.
Reclamações de comerciantes são comuns, por ainda acreditarem que são as vagas de estacionamento que atraem clientes. Só depois de algum tempo é que percebem a mudança para melhor e o aumento da clientela. É o caso de algumas áreas de Nova York, por exemplo, que foram abertas aos pedestres recentemente.
Bicicletas de carga
O uso de bicicletas de carga, bastante comum no Brasil, é algo que estão tentando impulsionar por lá. É o que chamam de “cycle logistics”.
Lobo conta que fizeram uma contagem no Rio de Janeiro, que apontou 11.540 entregas em um dia, só em Copacabana, sendo um quarto delas em triciclos. “É uma coisa super valiosa, que estão tentando estimular por lá, mas por aqui acham que está atrapalhando, quando na verdade está deixando de poluir, de fazer barulho”, explica. Apenas em Copacabana economiza-se um espaço equivalente a um campo de futebol, só com as entregas feitas com triciclos em vez de vans.
O estudo feito por Zé Lobo foi merecedor de um prêmio na conferência, o Cycling Visionaries Awards. Outro dos vencedores foi uma cooperativa de carga, com voluntários que fazem mudanças gratuitamente, transportando armários, geladeiras, fogões, tudo. No Rio isso também acontece, esporádica e informalmente. Zé Lobo fotografou gente transportando microondas, sofá e até uma cama na cidade maravilhosa.
Contramão não, contrafluxo
Cada vez mais o trânsito de bicicletas no sentido contrário ao dos carros passa a ser legalizado nas ruas européias. Bruxelas, por exemplo, tem 400km de faixas no contrafluxo e 80% das ruas de mão única para o automóvel têm faixa permitindo a bicicleta no sentido contrário. “Não adianta ficar penalizando o ciclista porque ele quer ir no caminho mais curto e mais confortável, simplesmente sinalizam para ele possa ir onde precisa ir”, afirma Zé Lobo. “Aqui tentam encaixar o ciclista na lógica do deslocamento motorizado, lá a cidade passa a respeitar o ciclista e ele deixa de ser infrator.”
Capacete e emplacamento
Renata conta sobre uma palestra que gostou muito de assistir, sobre a questão do medo de pedalar, discutindo como transformar essa espiral negativa, que a própria publicidade de segurança no tânsito acaba criando ao focar no uso de equipamentos de segurança para os ciclistas, em vez de colocar a responsabilidade na mão dos motoristas. “Teve momentos em que até pegava mal estar de capacete, porque eu estava de certa forma dando uma espécie de ‘força’ para uma campanha de colocar a responsabilidade da segurança no ciclista e não no motorista”, confessa.
“Você deve criar infraestrutura pro ciclista ir onde quiser com segurança, não fazer como na Austrália, que obrigaram o capacete e o uso da bicicleta caiu 30%, sendo que os acidentes continuaram na mesma taxa”, alerta Zé Lobo. “Lá realmente a Renata era uma das poucas pessoas de capacete na cidade, quase ninguém usa, porque é seguro circular pra todos os lados. Mesmo o chato que buzina e passa perto, que lá também tem, ele tem um cuidado muito maior que aqui, porque sabe que se acontecer alguma coisa ele tá ferrado, aqui não, ele continua por aí”.
Isso não quer dizer também que as pessoas devam ser desincentivadas a usar o capacete. Em Copenhagen, na Dinamarca, ele não é obrigatório, mas o governo incentiva seu uso e chega até a distribuí-lo em algumas ações. O que não pode haver é uma norma que o obrigue, porque “o benefício da bicicleta supera em 20 vezes os riscos que ela pode oferecer”, lembra Zé Lobo.
O mesmo vale para emplacamento, que ele classifica como totalmente desnecessário. “Você pode tentar que as pessoas sigam as regras criando a infraestrutura que elas querem, que elas vão usar. Eu confesso, eu pego muita contramão no Rio. Pra chegar na minha casa ou eu pego 70m de contramão, onde eu não cruzo com ninguém, ou dou uma volta de 800m junto com caminhões e ônibus. É muito mais seguro ir pela contramão. Um dia vão sinalizar minha rua e eu vou passar a ir no contrafluxo com segurança.”
Relação com o pedestre
Falzoni comentou que conflitos com pedestres ocorrem em muitos lugares, geralmente por arrogância dos ciclistas. Mas aqui no Brasil o ciclista é marginalizado, e quem é marginal “não obedece lei, se salva”, comenta, citando infrações comuns de ciclistas como furar o sinal. “Muitas infrações eu cometo porque são mais seguras para mim”, confessa. “Eu saio no sinal um pouco antes de abrir, porque eu quero distância dos carros na hora da arrancada”, explicando que o motorista brasileiro é acostumado a arrancadas.
Zé Lobo lembra que a maioria dos ciclistas ainda têm a mente rodoviarista. “Ele trata o pedestre como ele é tratado pelos carros”. Mas lembra que as infrações que o ciclista comete são sobre regras feitas para disciplinar a circulação dos carros. Na França, qualquer sinal vermelho o ciclista pode virar à direita, porque sabe-se que não haverá problema no tráfego (obviamente respeitando o pedestre). Em outros lugares, como Idaho (EUA), o ciclista só precisa parar pra ver se dá pra passar – e então pode prosseguir.
“O ciclista gosta de furar o sinal porque a pior coisa é parar e começar de novo”, esclarece. “Aquela energia que você perde pra sair, lá na frente vai te fazer falta. E também tem a segurança do quarteirão vazio, se o sinal fechou o quarteirão da frente é meu.”
Uma solução são as “ondas verdes”, que existem em cidades como Copenhagen: uma sincronização semafórica que coincide com uma velocidade ideal da bicicleta, nem muito rápida e nem muito lenta, fazendo com que quem adote uma velocidade mediana consiga seguir um longo tempo sem precisar de paradas.
Sobre o uso da calçada, ambos concordam que o mais importante é ter a consciência de que a prioridade é do pedestre. Onde esse uso é permitido e aceito em outros paíeses, os ciclistas reduzem na presença de pessoas a pé, chegando a desmontar quando há dificuldade de passar.
Quanto a pedestres em ciclovias, Lobo lembra que por aqui a via das bicicletas costuma ser mais lisa e adequada que as calçadas, o que acaba por incentivar quem está a pé a utilizá-la. “Em Viena a calçada é mais lisa que a rua, o que faz com que a quantidade de patinadores, skatistas e patinetes seja enorme”.
VeloCity no Brasil?
O Rio concorreu recentemente a receber a edição 2014 da conferência e chegou até a fazer parte da shortlist, ficando entre as três finalistas. Mas quem acabou levando foi a cidade de Adelaide, na Austrália. Zé Lobo acredita que há chances do Rio receber a edição 2016 e que isso seria até melhor, pois agora a cidade está com muitas obras por causa da Copa e das Olimpíadas e os deslocamentos de bicicleta seriam prejudicados.
Para Falzoni, seria bastante importante o Brasil receber uma edição do Velo-city, para que os gestores daqui se animassem a participar. A única delegação brasileira presente era do Rio de Janeiro, justamente devido à premiação.
Veja aqui o vídeo completo do evento com Zé Lobo e Renata Falzoni