Brasil, o país dos “desacontecimentos”
Marcos Tadeu Aziz, ciclista e renomado cicloturista publicou essa carta que eu publico na íntegra: "Indignar-se é preciso".
Logo depois que eu mandei o texto sobre a minha indignação a respeito da política por trás das Ciclofaixas de Lazer de São Paulo, intitulada “Por que A Ciclofaixa da Paulista me Indigna Tanto”, Marcos Tadeu Aziz, ciclista e renomado cicloturista mandou-se essa carta que eu publico na íntegra.
O Título original é:
“Indignar-se é preciso”
Janela para o Mar
Um País sem noção.Um País surreal, da total inversão de valores.
Parece que agora a capacidade de nos indignarmos quanto as mazelas nossas de cada dia foi embora, evaporou.
Estaríamos todos anestesiados, sofrendo de uma epidemia de letargia, apáticos? Que valor tem uma vida no Brasil?
Morrem mais pessoas aqui do que em guerras,conflitos graves, isto é estatístico. Mortes no trânsito, homicídios, descaso na saúde, hospitais públicos lotados, violência em niveis absurdos nas cidades.
A banalização da violência parece que emprestou a estes eventos uma “aura de normalidade” fazendo com que as pessoas fiquem entorpecidas, sem poder de reação, sem se indignarem.
Cheguei em São Paulo vindo do Rio com uma saudade enorme das minhas bikes que aqui ficaram prontas e lubrificadas para entrar em ação a qualquer momento.
Sai da Casa Verde, rumo a zona sul de São Paulo e deu vontade de chorar. A guerra urbana está muito mais agressiva, os motoristas com os seus carros sem paciência alguma. Os carros agora são maiores, SUVs gigantes, parece que acompanhando o crescimento do ego de seus ocupantes. Tempos de redes sociais, cultura narcísica, muita superficialidade e pouco conteúdo nas vidas editadas.
Tenho uma enorme saudade das viagens de cicloturismo realizadas pela Estrada Velha de Santos, geralmente aos sábados, saindo de madrugada, pedalando pela Av. do Estado em direção a Via Anchieta para depois pegar o caminho rumo a Ribeirão Pires e chegar ao Pouso Paranapiacaaba onde se inicia a descida.
Tempos de descobrir junto com a amiga Renata Falzoni, com informações precisas do Historiador Benedito Lima de Toledo onde se iniciava a Calçada do Lorena, primeira via de ligação entre a então provincia de São Paulo e o litoral, construída no ano de 1792 pelo melhor do que havia na engenharia Portuguesa, para escoar a produção agricola, no lombo de mulas, as chamadas tropas de muares vencendo assim a grande muralha da Serra do Mar.
Como era bom chegar em Santos, Guarujá vindo de bicicleta pela estrada velha. Cheguei a levar uma ONG, a Meninos do Morumbi, para uma viagem por lá de bicicleta no ano de 2002. 14 garotos foram selecionados e a viagem foi batizada de “Uma Viagem na História Através da Aventura”.
Foi incrivel a assimilação dos fatos históricos que narramos no local por todos os garotos, a vontade que tiveram de pesquisar mais dados após o dia, o ensino ao ar livre, de forma lúdica, viajando de bicicleta, o ensino com tesão, com prazer.
Em 2004 após a recuperação e contrução de duas pontes, inauguradas pelo governados Alckmin, a estrada passou a ser uma estrada parque com passeios agendados, mas naquele momento sem bicicletas só passeios a pé.
Já em 2009 a equipe “Cicloaventureiros” conseguiu autorização para realiazar descidas guiadas de bicicleta, em grupos pequenos, com todos os ciclistas utilizando equipamentos de segurança, mediante um pagamento de taxa. Ok,haviamos conseguido um caminho.
Descida da Serra do Mar
Recentemente me informaram que os passeios foram suspensos, novamente as bicicletas perderam o seu espaço, não podemos ter ali a nossa rota cicloturistica, com ligação ao litoral, uma viagem linda repleta de história.
As empresas e orgãos estaduais não se entendem então é melhor proibir, assim sem nenhum critério. Sempre enfatizei que dá para ter espaço para todos os grupos.
O cicloturismo aberto para quem se propor acordar bem cedo, chegando ao local da descida da estrada velha antes dos grupos a pé estarem inciando seus passeios.
Vou arriscar criar aqui um neologismo, as coisas agora estão desacontecendo.
O Brasil virou o País dos “desacontecimentos”.
Agora além de não acontecerem, as coisas que estavam instituidas e acordadas, desaparecem.
Lembro-me da enorme janela de pedra que dá uma ampla vista da cidade de Santos, no primeiro monumento da estrada Velha. Será que ainda um dia vão culpar aquela janela pela existência da paisagem?